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Dois homens remam pela ponte que passa pelo canal, após a tragédia. | Mario Tama/Reuters
Dois homens remam pela ponte que passa pelo canal, após a tragédia.| Foto: Mario Tama/Reuters

Há 10 anos, um dos mais ferozes furacões da história engolfou o sul dos Estados Unidos, atingindo em cheio a cidade de Nova Orleans. Conhecida pelo jazz, a metrópole, localizada entre as águas do Lago Pontchartrain e o famoso Rio Mississippi, teve seus diques rompidos pelo vento de até de 230 km/h.

Veja o comparativo feito pela reportagem em visita em 2005 e agora

Confira um vídeo sobre a reconstrução de Nova Orleans

Cerca de 1,8 mil pessoas morreram, e os prejuízos foram estimados em US$ 100 bilhões. À época, muitos acharam que a cidade deveria ser abandonada para sempre.

Passada uma década, Nova Orleans reviveu. Os diques foram reconstruídos e reforçados. Na rota de furacões, no auge da temporada das grandes tempestades, a cidade teme, em parte, a repetição da catástrofe. Mas recobrou a alegria.

Prova disso é que, em pleno verão no Hemisfério Norte, milhares de turistas lotam ruas, bares e hotéis. Como Nova Orleans convive com o passado e vive o presente é tema desta reportagem com o relato de Rodrigo Lopes, que esteve na cidade durante a tragédia do Katrina, em 2005, e de Rosane Tremea, que visitou a cidade neste ano.

A ponte que passa pelo Canal Industrial já recuperada da devastação.Mario Tama/Reuters

A primeira impressão

Em 2005

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MS/BS/MICHAEL SPOONEYBARGER

Arranha-céus brotam da água suja. Esta foi a primeira imagem que vi de Nova Orleans, quatro dias depois da passagem do furacão Katrina. O visual era este. O cheiro era insuportável: os pântanos que rodeiam a cidade vomitavam corpos.

Inundada, saqueada e parcialmente destruída, Nova Orleans era símbolo da incompetência do governo George W. Bush, que abandonou sua população, composta em maioria por negros e pobres. Tratava-se de uma legião de refugiados que passavam em comboios formados por ônibus escolares amarelos à minha esquerda pela estrada praticamente vazia.

Todos queriam sair da cidade. E eu queria entrar.

Agora

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Dez anos depois é a minha oportunidade de visitar New Orleans pela primeira vez, como turista. Chego em um trem da Amtrak limpo e confortável que, pela região dos pântanos, circula em velocidade baixa paralelo à Interstate 10. À direita, a imagem do pântano e das árvores que brotam nele, com as raízes acima da água, impressiona. É um verde diferente.

À medida que nos aproximamos da área urbana, a velocidade diminui. Uma amiga que tinha estado ali em 2010, para registrar os cinco anos da tragédia do Katrina, chama atenção para o prédio gigante e reluzente à direita. É o Superdome, o estádio para onde foram levados milhares de desabrigados pelo furacão.

A bacia se encheu

Em 2005

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Nova Orleans é como uma bacia. Abaixo do nível do mar, a cidade fica entre o Rio Mississippi e o Lago Pontchartrain.

Quando o Katrina tocou a terra, rajadas de vento de até 230 km/h arrasaram os diques que protegiam a cidade. A bacia se encheu de água.

A única porção de terra que não submergiu ficava próxima à margem do Mississippi. Por ali, cheguei ao centro de Nova Orleans, desviando de postes caídos nas ruas do arborizado bairro de Metaire, escoltado por batalhões de forças especiais – a cidade estava sendo saqueada.

Agora

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JONATHAN BACHMAN/REUTERS

Há eventos que marcam uma cidade. Lisboa será sempre a do terremoto e dos incêndios de 1755. Nova York será sempre a do 11 de Setembro. Acho difícil New Orleans esquecer aquele agosto de 2005. Em New Orleans, as nuvens me dão medo. Não chega a ser pânico, mas o aviso que chega no meu celular acrescenta um ingrediente que me deixa assustada: o serviço de meteorologia alerta para uma tempestade. Mas bastou entrarmos no hotel para desabar o temporal anunciado. O aviso também dizia que a chuva duraria até as 5:38 p.m. E, como por milagre (na verdade, ciência!), parou mesmo. Será aprendizado daquele duro episódio?

A avenida principal

Em 2005

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Os ventos do Katrina não arrancaram as palmeiras da Canal Street, a avenida principal onde antes devia ser um pulsante local de turismo, com direito a passeio de trem de superfície. Das garagens dos hotéis Marriot e Sheraton emergiam carros de combate. As forças armadas e a Segurança Nacional tentavam recuperar o tempo perdido. Chegaram tarde. Nova Orleans contava 1,8 mil mortos. Para colocar ordem na casa, o governo decretou a cidade área militar – os 8 mil moradores que resistiam à saída, muitos por causa dos animais de estimação, tiveram de deixar suas casas à força. Com o decreto, todo cidadão encontrado nas ruas sem identificação seria detido.

Agora

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Pela Canal Street, agora, circulam bondinhos simpáticos que ficam abarrotados de moradores e de muitos turistas. Caminhamos até o final da Royal Street, cruzamos a Canal, e tomamos o streetcar St. Charles, linha que começou a circular em 1835, a mais antiga da cidade, uma das primeiras dos EUA. Nosso objetivo é o elegante Garden District. Queremos ver os casarões típicos e circular pela área com galerias de arte e lojas. Perguntamos se, por ali, as águas do Katrina fizeram estrago, e a resposta soa tão óbvia quanto a pergunta: quem sofreu mais foram as zonas pobres. As áreas nobres, além de menos atingidas, foram as mais rapidamente reparadas.

Segurança

Em 2005

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Cerca de 80% da cidade foi inundada. Sem internet e com a telefonia prejudicada, Nova Orleans, uma das maiores metrópoles americanas, capital do jazz, é terra sem lei.

Nas esquinas, militares armados davam a impressão de segurança com prazo de validade para acabar. O toque de recolher vigora das 18h às 6h. “Pessoas andam pelas ruas roubando. Se tu tens uma bicicleta, te matam para ficar com ela. Há relatos de estupros. À noite, escutam-se muitos tiros”, conta uma mulher.

Nas lojas, proprietários que saíram às pressas deixaram sofás abandonados em frente às portas, na tentativa de evitar saques. Em vão.

Agora

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Nossa visita ocorreu quando faltava uma semana para um dos maiores eventos da cidade, o New Orleans Jazz & Heritage Festival, em abril. Ao contrário de 10 anos atrás, há muita gente e muita vida pela cidade. As pessoas bebem e cantam na rua ou abarrotam perigosamente as varandas típicas ornadas de ferro, como se não houvesse amanhã. Tudo muito alegre, muito agradável para quem faz turismo, a não ser pelos avisos em cartazes espalhados pelo French Quarter pelo Departamento de Polícia : “Atenção, ande em grupo” – uma forma encontrada para proteger moradores e turistas em uma cidade ainda considerada das menos seguras nos Estados Unidos.

Cidade sitiada

Em 2005

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MS/BS/MICHAEL SPOONEYBARGER

A circulação limitada pelas águas obriga-me a serpentear por ruas e avenidas, retornar, encontrar uma árvore pelo chão, água ao final da rua, marcha a ré. Foi assim que, de repente, vi o Superdome a uns 500 metros de onde eu estava. Ali, um ginásio modernoso ao estilo das grandes arenas americanas, aconteceram algumas das piores atrocidades durante o Katrina. Sem auxílio das autoridades, os moradores foram aos poucos se empilhando nas arquibancadas. Até hoje, os relatos são controversos, mas fala-se de estupros e saques nos banheiros. O Superdome era uma ilha. Ficar significava ter seus direitos violados. Sair significava morrer.

Agora

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JONATHAN BACHMAN/REUTERS

No Museu do Estado da Louisiana e hoje existe uma contradição. No segundo piso está o museu do Mardi Gras, o alegre Carnaval de New Orleans. No térreo, a exposição “Furacões: Katryna and Beyond”. Na nossa última manhã na cidade, penetramos nesse mundo de corredores escuros, imagens assustadoras de satélites, vídeos com depoimentos de vítimas, animações mostrando a rapidez com que a cidade seria engolida pelas águas. Não é nada grandiosa a exposição. Ainda assim, é contundente. É um sinal de que 10 anos depois, a cidade, por mais música, Carnaval e alegria que tenha, lembrará sempre o agosto de 2005 como o do furacão Katrina.

Dez anos depois, esperança e renascimento

Uma década após a tragédia, New Orleans recobrou a alegria e o otimismo. No vídeo, divulgado pela prefeitura da cidade, o depoimento de quem viveu a tragédia bem de perto.

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