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Rússia cortou gás natural para Ucrânia em pleno inverno

Curitiba – Diante da falta de acordo sobre preços e tarifas, a Gazprom, consórcio controlado pelo governo russo, cortou no início de 2006 o fornecimento de gás natural a Ucrânia, por onde passam 80% do gás exportado pela Rússia com destino ao mercado europeu. O episódio provocou críticas ao governo russo por estar utilizando o gás como "moeda política" e pelo transtorno temporário na distribuição de gás – que afetou a Europa Ocidental em pleno inverno.

No fim do ano passado, a Geórgia aceitou pagar US$ 235 por mil metros cúbicos de gás natural, mais do que o dobro do preço na época, diante das reivindicações russas de que era necessário adequar o preço ao padrão do mercado europeu.

Assim como a Geórgia, a Bielo -Rússia também teve problemas com a Rússia no fim de 2006. Em discussão, estavam os preços para o transporte do petróleo que Rússia exporta à Europa, passando pelo território bielo-russo. A Rússia deixou de fornecer petróleo à Europa por três dias. No fim das contas, os dois países fecharam um acordo para reduzir de US$ 180 para US$ 53 por tonelada a tarifa de exportação do petróleo russo .

Curitiba – Efeito cascata. É o cenário da crise do gás na América Latina. Dessa vez, o problema não está nas relações entre Brasil e Bolívia e as refinarias da Petrobrás, mas sim no déficit de gás regional – que levou ao racionamento na Argentina e Chile em pleno início de inverno. Um dos vilões da história: a falta de investimentos no setor de hidrocarbonetos, tanto na Bolívia quanto na Argentina. Para complicar ainda mais a situação, na semana passada, a Bolívia reduziu a exportação de gás natural para a Argentina, que por sua vez exportou menos para o Chile.

Um aumento na demanda na Bolívia e Brasil, que tem prioridade para receber gás boliviano, foi o suficiente para vender menos aos argentinos. Do outro lado, os chilenos dependem da importação de gás da Argentina, que vem produzindo cada vez menos nos últimos anos e aumentou sua dependência energética em relação à Bolívia. Hoje, o Chile se vê sem opção, já que não mantém relações diplomáticas com a Bolívia e não tem outro vizinho, além da Argentina, de quem possa importar o gás.

Evo Morales, presidente da Bolívia, sinalizou na semana passada que poderia vir a negociar gás natural com o Chile sem vincular a uma troca pela saída para o Oceano Pacífico, uma antiga reivindicação boliviana desde que perderam território para os chilenos na Guerra do Pacífico (1879–1884).

Alguns analistas consideram que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, teria interesse num possível acordo de venda de gás natural entre Bolívia e Chile – já que os chilenos vêem a figura do líder venezuelano e seu socialismo do século 21 com certa restrição.

Nas negociações com o Chile, a Bolívia sempre levará como pano de fundo a questão da troca de gás por uma saída para o mar, diz Hugo Eduardo Meza Pinto, doutor em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e professor das Faculdades Santa Cruz e UnicenP. "O Chile está encurralado. Teria de importar gás natural em navios, ou a segunda opção seria negociar com o Peru – mas os dois países não mantêm relações diplomáticas por desavenças quanto à fronteira marítima." Estima-se que 20% da estrutura energética no Chile dependa do gás natural.

O Chile está sem alternativas para o problema, já que o gás natural produzido pelos argentinos mal dá conta da demanda interna e o vizinho boliviano, que detém as maiores reservas de gás natural da região, não é confiável em termos jurídicos, argumenta Meza Pinto.

O caos argentino

Desde 2002, a Argentina assiste à queda dos investimentos no setor de hidrocarbonetos, comenta Marco Tavares, sócio-diretor da assessoria empresarial Gás Energy. "De lá pra cá, os investimentos estão paralisados e os preços praticados estão muito abaixo do mercado, desestimulando o setor. Houve congelamento de preços." Ou seja, o que se vê é um déficit de gás regional – o setor de hidrocarbonetos não está sendo rentável para novos investimentos nem na Bolívia e muito menos na Argentina. "No curto prazo, não vejo mudanças no caso boliviano."

O atual racionamento de gás natural na Argentina pode provocar uma redução de 8% a 20% na produção industrial do país, com perda estimada de US$ 1,5 bilhão no superávit comercial de 2007. A falta de gás natural marca o inverno tanto no Chile quanto na Argentina, onde a onda de frio já matou pelo menos 40 pessoas. Distribuidoras de gás argentinas apontam que o fornecimento às indústrias sofreu redução a 40%.

Por conta das eleições presidenciais em outubro, o governo de Néstor Kirchner reduziu o gás para as indústrias, e manteve o fornecimento para veículos e residências – uma forma de esconder o "tamanho" da crise, analisa o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, Adriano Pires.

Outro agravante da crise do gás na Argentina, lembra Pires, é que o país possui a maior frota automotiva na América Latina que utiliza GNV (gás natural veicular) e 50% da matriz energética do país é sustentada pelo gás. "O racionamento já era esperado. O governo Kirchner congelou o preço do gás há algum tempo e a ‘conta’ dessa política chegou agora." Nesse ritmo, nos próximos cinco anos a Argentina irá enfrentar uma das mais graves crises energéticas.

Até 2016, Bolívia e Argentina pretendem construir um gasoduto com capacidade para transportar 28 milhões de m3/dia (o atual comporta 5 milhões de m3/dia). "Será difícil que essa obra venha a se concretizar, é mais provável que a Bolívia repita a crise de gás pela qual a Argentina está passando hoje."

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