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Sozinho, num hotel imundo. O corpo todo coça em comichões. A cortina que faz às vezes de box é negra de sujeira. A espuma do colchão está mordida e rasgada, dentro do velho estrado de madeira da cama. Coço o corpo com a espuma do sabonete antibactericida.

A vontade que dá é de rasgar a pele. Ou melhor, sair do corpo. De pé, aguardo o efeito milagroso do sabão. O quarto do hotel na cidade de Santa Marta, costa caribenha da Colômbia, não tem janela, é abafado e retém o ar pesado.

O lugar é quente e a praia principal é suja. Melhor do que as ruas, imundas e calorentas. Um líquido sempre escorre pelas vielas, assim como deslizam pela minha memória as lembranças de Salvador. Suja.

Navios imensos aportados, de um lado. Na outra ponta estão estacionados inúmeros vendedores de quinquilharias e artesãos locais. A pele coça enquanto caminho pelos becos antigos. Sonâmbulo, em nada conseguindo me concentrar.

Essa etapa da expedição é de pura sobrevivência: conseguir comer, dormir ou refugiar-me. Aguentar o comichão pelo corpo, assistindo as pelotas vermelhas tomando conta da pele. Agonia. Desespero.

Momento mais difícil da viagem. O Caribe não é só um paraíso, agora vivo na entrada do inferno. Acordo na madrugada para tomar banho de álcool. Funciona. Consigo algumas horas a mais de sono. O quarto, sem janela, parece não querer me libertar.

Penso na loção poderosa que vai me fazer sentir novamente livre. Vontade que dá é de queimar todas as roupas. Visto a bermuda imunda e apanho um táxi até o terminal de transportes. Não posso suar.

O micro-ônibus que segue a Cartagena passa antes por Barranquilla, cidade colombiana do Carnaval. Na lombada, homens que querem ser mulheres pedem dinheiro aos motoristas.

As favelas, ao redor, lembram a sarna. O corpo coça, não há tranquilidade. Jogo álcool nas pelotas, escondido dos demais passageiros. Não podendo fugir do corpo, deixo a cidade.

Longe do quarto sem janela, encontro o médico. Aliviado, o diagnóstico. Não seriam ácaros, como apostava o vendedor da farmácia. De maneira alguma, apenas picadas de insetos. Não era também a maldita sarna.

Varicela, constata dr. Camilo, o médico. Doença infantil, que também ataca os adultos. Mais difícil é o tratamento em trânsito, de mochila, igual a cachorro sarnento, chutado de um lado a outro, sem lugar fixo para ficar. Vou sair desta, vou superar.

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