Pessoas com equipamentos de proteção descarregam um caixão de um carro funerário no cemitério Monumental de Bérgamo, Lombardia, Itália| Foto: Piero Cruciatti/AFP
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O velho papai de um amigo de nossa família morreu nesta sexta-feira: habitava na província de Bérgamo, na zona mais atingida pelo coronavírus. Estivera por onze dias em casa, com febre alta e problemas respiratórios, mas para o médico não era necessário nem um teste nem uma visita. Até o momento em que a crise respiratória se tornou muito grave; então chegou uma ambulância que o levou ao hospital, onde porém já chegou praticamente morto. O que em outros tempos poderia ter sido classificado como negligência médica, hoje em algumas áreas infelizmente se tornou a gestão corriqueira. E certamente não é culpa dos médicos; simplesmente nos hospitais não há mais vagas e também há escassez de profissionais de saúde, eles mesmos afetados em grande número pelo coronavírus.

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Essa pequena história diz muito da situação de crise sanitária que a Itália está vivendo e sobretudo esclarece o grande número de mortos que se registram na Lombardia. Não minimizando a agressividade da Covid-19, mas é claro que não se pode justificar apenas com isso o alto número de mortos na Itália e sobretudo a enorme disparidade da taxa de mortalidade de região para região. Sobre o total de contagiados na Lombardia, são 12,7%, na Emília-Romanha, 10,8%; percentual que cai significativamente no Piemonte (6,4%) e ainda mais no Vêneto (3,3%). E isso para ficar nas quatro regiões mais atingidas.

Nesses dias, a hipótese mais mais difundida diz respeito à idade da população: “A Lombardia é a região com a população mais velha” ouvimos dizer muitas vezes, também na TV. Mas isso não é mesmo verdadeiro: das quatro regiões tomadas em exame, a Lombardia é a mais jovem: os que têm mais de 65 anos são 22,6% da população e o índice de velhice [no senso italiano, razão percentual entre o número de pessoas com mais de 65 anos e o número de jovens até 14 anos de idade] é 165,5, enquanto no Vêneto é 172,1, na Emília-Romanha 182,6 e no Piemonte chega a 205,9 (isto é, existem mais de dois idosos para cada menino com menos de 14 anos). E Bérgamo e Brescia, na Lombardia, são duas províncias bastante abaixo da média regional em termos de índice de idade avançada (respectivamente 145,2 e 151,2).

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Mesmo considerando a população em termos absolutos, o pico de mortalidade na Lombardia não encontra uma explicação completa. A história do meu conhecido idoso que foi mencionado no início oferece um importante fator de explicação. Ou seja, dito cruamente, como não há camas suficientes, as pessoas são deixadas para morrer. Não por maldade dos médicos, não porque falta vontade de cuidar, mas simplesmente porque não existe a possibilidade de fazer de outra forma.

Além disso, nos últimos dias, tem sido dito em muitas partes na Lombardia, um pouco a meia-voz e um pouco indiretamente, que os médicos são forçados a fazer escolhas. Os dados dos últimos dias também demonstram isso, o que impressionou a opinião pública e levou o primeiro-ministro a reforçar ainda mais as medidas para impedir que as pessoas saiam de casa. Além disso, deve-se enfatizar que esses são dados que dependem basicamente da Lombardia, que cobre entre 60 e 70% das mortes na Itália. Se todas as pessoas fossem socorridas e tratadas da mesma forma, na maioria das vezes o processo ordinário seria: recuperação, eventualmente terapia intensiva, em alguns casos a morte. Ou seja, a maioria das mortes seria de pacientes que, apesar de submetidos a terapia intensiva, não conseguiram se recuperar. Mas os dados dizem outra coisa: só nos últimos três dias na Lombardia morreram 1.288 pessoas: houvesse boa parte de pacientes hospitalizados em terapia intensiva deveríamos ver o efeito, pois esse número é claramente maior do que o número diário de hospitalizados em terapia intensiva (ontem eram 1.142 contra 1.050 de dois dias antes).

Em vez disso, a impressão é que as cifras que dizem respeito aos falecidos caminham independentemente da situação das terapias intensivas, quer dizer, só uma pequena parte diz respeito a pessoas que, apesar dos cuidados, não conseguiram se recuperar. Além disso, é o que está previsto nas diretrizes de ética clínica publicadas no mês passado pela Siaarti (Sociedade Científica de Anestesia, Analgesia, Reanimação e Terapia Intensiva), da qual já tratamos, e que indicavam a necessidade de não ocupar a terapia intensiva com pessoas velhas e com patologias pregressas.

Isso para infelicidade de quem, nos últimos dias, em relação à estratégia anunciada pelo premiê britânico Boris Johnson, reivindicou para a Itália uma espécie de superioridade moral porque se ocupa de todos da mesma forma. Então, na prática, as coisas funcionam exatamente assim: no momento não há possibilidade de tratar todos aqueles que precisam, pelo que se pode deduzir que a isso se deve ao menos uma parte do pico de falecimentos registrados nesses dias.

Isso nos leva a sublinhar um outro ponto importante: a causa do desastre atual é só em parte a agressividade do coronavírus. Parte importante é a insuficiência do sistema de saúde. Lembre-se de que há dois anos na Lombardia havia um alarme em relação à terapia intensiva também para a gripe sazonal clássica, um pouco mais virulenta que a média. E a uma fraqueza estrutural se soma a inépcia desse governo que, mais de dois meses após a notícia do surto, ainda não forneceu aos trabalhadores da saúde as proteções necessárias. Máscaras e luvas não podem ser encontradas ainda. A Proteção Civil assegurou que elas chegarão nesta semana, mas dados os precedentes não se pode confiar muito. Em todo caso já é bastante tarde, além de tudo, com milhares de médicos doentes para tornar ainda mais difícil o trabalho de uma categoria já subdimensionada. Porém é muito mais conveniente zangar-se com aqueles que praticam corrida.

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Riccardo Cascioli é bacharel em Ciências Políticas, jornalista e diretor do periódico “Il Timone”, e autor de “Il complotto demografico”, “Le Bugie degli Ambientalisti 1 e 2” (2004 e 2006) e “I padroni del pianeta”.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.