Pessoas cruzam a ponte internacional que separa Santo Antonio del Tachira, na Venezuela, de Cucuta, na Colômbia| Foto: LUIS ACOSTA/AFP

A crise venezuelana parece estar longe de ter um fim. A contestada eleição que deu um segundo mandato ao ditador Nicolás Maduro no último domingo (20) colocou o país sob uma pressão econômica ainda maior: os Estados Unidos anunciaram novas sanções que proíbem a compra ou venda de ativos que pertençam ao governo venezuelano nos EUA - medida que afeta inclusive os ativos do Banco Central da Venezuela e da petrolífera estatal PDVSA. 

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Uma mescla de erros econômicos e eternização do poder político fez o país de Nicolás Maduro encerrar 2017 com uma inflação superior a 2.800%, enquanto o PIB despencou quase 14%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). 

O salário mínimo é reajustado regularmente. Poucas semanas antes da eleição, Maduro aumentou-o em 95% na tentativa de amenizar a alta dos preços, mas venezuelanos usaram as redes sociais para contar que um salário mínimo compra apenas um quilo de carne. 

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A pobreza da população atingiu níveis recordes e beira a catástrofe humanitária. Segundo dados da Encovi (Enquete sobre Condições de Vida), pesquisa realizada por um consórcio de universidades venezuelanas em 2017, quase 64,7% da população perdeu uma média de 11,4 quilos no ano passado por conta da desnutrição. 

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A Venezuela é dona de uma das maiores reservas de petróleo, mas a maioria de seus 30 milhões de habitantes é incapaz de conseguir comida suficiente para atender às suas necessidades básicas. Muitas não têm acesso à água potável. O suprimento de remédios básicos desapareceu há tempo. 

Caracas e outras cidades viraram uma terrível área sem lei, com algumas das maiores taxas de homicídio do mundo. Estimativas indicam que cerca de 5 mil pessoas por dia fogem do país, gerando um dos maiores fluxos de refugiados da história do Hemisfério Ocidental. 

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E a situação tende a piorar, de acordo com avaliação da empresa de consultoria Eurasia Group. Segundo ela, independente da gravidade das sanções dos Estados Unidos, a perspectiva econômica se tornará muito mais complicada no segundo semestre, comprometendo a capacidade de Maduro proporcionar benefícios econômicos aos grupos chave. 

Perda de referência

A crise recente chama a atenção quando se considera a evolução da economia sul-americana nos últimos 20 anos. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1998 - um ano antes da chegada de Hugo Chávez ao poder - a Venezuela tinha o segundo maior PIB per capita da região, atrás apenas da Argentina, cerca de US$ 15,6 mil. 

Gradativamente, o país passou a ser alcançado pelos vizinhos: a estimativa para 2018, 20 anos depois, é que o valor da Venezuela bata em apenas US$ 9,3 mil dólares ao final do ano. O atual primeiro colocado na região, o Chile deverá registrar um PIB per capita 145% maior (US$ 22,8 mil). 

O autor desta calamidade, o regime criado por Hugo Chávez e agora liderado por Maduro, firmemente se recusa a aceitar ajuda humanitária. Por anos, tem rejeitado as medidas mais básicas para estabilizar a economia ou modernizá-la. No ano passado, registrou uma queda de 30% na produção de petróleo e deixou de pagar mais de US$ 50 bilhões em divida. 

Raiz dos problemas

A raiz dos problemas enfrentados pela Venezuela é mais antiga. Desde meados do século 20, a história da Venezuela tem sido marcada por esperanças e erros na tentativa de aproveitar o petróleo para elevar o país a outros patamares de qualidade de vida. A boa colocação do país nos rankings dos anos 90 não era uma novidade: já em 1950, graças à exploração dos combustíveis fósseis, os venezuelanos chegaram a ter o quarto maior PIB per capita do mundo na época, atrás apenas de Estados Unidos, Suíça e Nova Zelândia. 

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A Venezuela viveu o “paradoxo da abundância”: uma teoria na economia segundo a qual uma grande quantidade de algum recurso natural (no caso, o petróleo) pode levar o país a uma excessiva dependência daquela riqueza, não conseguindo diversificar suas indústrias e redundando em governos autoritários e ineficientes. 

Um dos primeiros a identificar essa questão foi justamente um venezuelano. Juan Pablo Pérez Alfonzo, ministro de Minas e Hidrocarbonetos da Venezuela na década de 1960, e considerado um dos pais da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), havia feito uma previsão sombria em 1976, pouco após o país estatizar a exploração do ouro negro: 

“Daqui a dez ou vinte anos, o petróleo nos trará a ruína. É o excremento do diabo”, escreveu. 

A ruína prevista por Pérez Alfonzo chegou mais rápido do que o imaginado: já nos anos 1980, a Venezuela viveu uma grande crise econômica que trouxe pobreza generalizada e ajudou a impulsionar, na década de 90, o discurso populista de Hugo Chávez. 

Em seus primeiros tempos, o governo chavista gozou de um período de fartura com o barril de petróleo atingindo valores recordes, chegando a superar os US$ 100 por barril. Apesar das críticas da oposição e da comunidade internacional quanto aos aspectos antidemocráticos de Chávez, a crise econômica só chegaria aos patamares atuais quando o petróleo se desvalorizasse abruptamente e os erros econômicos ficassem evidentes. 

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Impactos negativos

Hoje, a Venezuela não sofre apenas com os preços baixos do petróleo: a quebra do país, que vê 96% da sua receita de exportações vir do óleo, impede a própria indústria petrolífera de funcionar. A PDVSA, estatal venezuelana de hidrocarbonetos, em 2017, não tinha recursos sequer para transportar combustíveis em águas internacionais. 

Com uma plataforma autoproclamada socialista, desde o início Hugo Chávez – e, mais tarde, Maduro – investiu maciçamente em programas estatais, ao mesmo tempo em que não criava condições para enfrentar uma crise futura. 

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Esse é, segundo muitos analistas, o principal aspecto que costuma levar os países dependentes de recursos naturais a um estado de dificuldades: a riqueza natural não é uma maldição em si mesma, mas pode se tornar devido aos erros estratégicos do governo. O caso venezuelano não seria, assim, tão comparável ao do socialismo cubano, por exemplo, mas ao de outros países com recursos naturais abundantes que não foram capazes de fortalecer leis e instituições capazes de gerenciar essa riqueza. 

Com um Estado inchado e sustentado quase que exclusivamente pelo petróleo, a Venezuela caminhou para a quebra no momento em que os preços caíssem no mercado internacional, como ocorreu a partir de 2008. De lá para cá, a economia já encolheu 22,5%. E, se nada for feito, o buraco pode aumentar. A expectativa é que a economia encolha 15% neste ano, de acordo com projeções feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

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