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"Nós não podemos colocar Deus numa caixa e insistir que Suas ações se conformem à nossa ideia de como Deus deveria se comportar." | Divulgação/HarperCollins
“Nós não podemos colocar Deus numa caixa e insistir que Suas ações se conformem à nossa ideia de como Deus deveria se comportar.”| Foto: gazeta

Entrevista com Karl Giberson, presidente da Fundação BioLogos e autor de Saving Darwin.

Há exatamente 150 anos, era publicado um livro revolucionário: A origem das espécies, de Char­­les Darwin. Mudou a maneira co­­mo as pessoas encarariam a história da vida na Terra, e principalmente a história do ser hu­­mano. A teoria da evolução, no entanto, já foi usada para justificar o imperialismo, o capitalismo selvagem e até a eugenia – fundamentalistas religiosos se aproveitam disso para atacar Dar­­win, aproveitando que autores como Richard Dawkins associam evolução e ateísmo. O doutor em Física e professor universitário Karl Giberson pensa diferente. Presidente da Fundação BioLogos, que busca estabelecer a conciliação entre a ciência (es­­pecialmente evolucionista) e o cristianismo, ele é autor de Sa­­ving Darwin, em que analisa as reais dimensões da teoria do naturalista britânico, mostra como Deus se encaixa no processo evolucionário e afirma que muito daquilo que se convencionou atribuir ao darwinismo é, de fato, uma distorção da teoria da evolução. Giberson concedeu a seguinte entrevista, por e-mail, à Gazeta do Povo:

Uma pesquisa recente apontou que 31% dos norte-americanos dizem que o homem e outros seres vivos foram criados exatamente como são, desde o início dos tempos; 32% di­­zem que eles evoluíram por processos naturais; e outros 22% falam em evolução "guiada por um ser supremo". Isso é mesmo possível?

Uma "evolução guiada" é acei­­ta por muitas pessoas, especialmente cristãos com conhecimen­­to científico. Ela aparece sob nomes diversos, como "evolução teísta", "criacionismo evolucionista", ou "BioLogos", o termo que usamos para nosso projeto (e que escolhemos para escapar da bagagem negativa que vem com o termo "evolução"). Mas a ideia de que Deus guia a evolução é bem complexa. Para ela ser relevante, não podemos simplesmente pegar a versão se­­cular da história e dizer "foi Deus quem fez". É preciso fazer afirmações teologicamente sólidas sobre o que Deus fez ou está fa­­zendo, e sobre como Ele está en­­volvido no processo. Eu diria que nós, no BioLogos, defendemos uma versão limitada dessa "evolução guiada", no sentido de que o cenário como um todo está cum­­prindo as intenções do criador, mas, dentro dessa noção ampla, os detalhes incluem vá­­rios eventos aleatórios e contingentes.

Mas se o processo evolucionário é movido a competição, seleção natural e mutações ge­­néticas aleatórias, a "atividade criativa de Deus" não tem um pa­­pel pequeno demais pa­­ra um ser todo-poderoso?

No fim das contas, precisamos olhar para a ciência. Parece mesmo que Deus está intervindo de formas dramáticas ao longo da história natural? Nós não po­­demos colocar Deus numa caixa feita de acordo com nosso interesse e insistir que Suas ações se conformem à nossa ideia de co­­mo Deus deveria se comportar. Eu perguntaria, a quem prefere uma "presença" maior de Deus na história, de que modo eles procuram por Deus no mundo. Essas pessoas buscam um Deus das lacunas, que aparece naquilo que a ciência não explica? Ou buscam por Deus na grandeza de um pôr-do-sol, na nobreza de um voluntário de sopão, ou no sorriso de uma criança? Sem saber, nós aderimos à teologia de um Dawkins quando insistimos que Deus deve funcionar como um engenheiro cujas ações devem ser claramente identificadas pela ciência.

O senhor acredita que ridicularizar os criacionistas não ajuda a levar as pessoas a aceitar a evolução. Como, então, le­­var o público a ver a compatibilidade entre evolução e fé religiosa?

A chave, para a maioria, é de­­senvolver uma compreensão da Bíblia que vá além do que aprenderam no catecismo ou na escola dominical. O catecismo conta his­­tórias sobre o Gênesis que são adequadas para crianças, mas depois ninguém revisita essas histórias para ajudar os jovens adultos a criar uma visão madura do Gênesis. Descobrir que o livro sagrado tem várias indicações de que não se trata de história literal é uma experiência li­­bertadora para os cristãos.

O que funciona melhor para quem nega a evolução: mostrar a evidência favorável à evolução, apelando para a razão? Ou mostrar que a evolução não pre­­judica a crença em Deus, apelando para a religiosidade?

É fundamental proteger a re­­ligião dos supostos "ataques evolucionistas". A maioria das pessoas está mais preocupada em estar de acordo com sua religião do que em estar cientificamente atualizadas. O problema no caso dos cristãos evangélicos, infelizmente, é que existem prateleiras sem fim de livros argumentando que a ciência comprova o criacionismo. Para a maioria das pessoas leigas no assunto, a batalha nem é entre ciência e religião, e sim entre "a ciência de que eu gosto" e "a ciência que ataca mi­­nha religião".

No seu livro o senhor parece um tanto pessimista e desiludido sobre o rumo da discussão sobre a evolução, que deixou de ser uma busca pela verdade científica e se tornou uma guer­­ra cultural, onde o que importa é desmoralizar o adversário. Nós realmente chegamos a um ponto sem volta?

Temo que sim. Algumas se­­manas atrás eu estava em um impressionante museu no Ken­­tucky, mantido pelo Answers in Genesis, o maior e mais eficiente promotor do criacionismo da Terra jovem em todo o mundo. O criacionismo virou uma indústria multimilionária, com o propósito de convencer cristãos de que eles não devem acreditar na evolução. Tudo isso ruiria se eles se convencessem de que a evolução é real. Por outro lado, eu não consigo imaginar como fundamentalistas científicos como Richard Dawkins e Daniel Den­­nett fariam as pazes com fundamentalistas religiosos como Ken Ham, o chefe de Answers in Ge­­nesis.

Bento XVI, quando era cardeal, pediu que houvesse um debate honesto sobre a legitimidade das afirmações metafísicas feitas em nome da teoria de Darwin. Na sua opinião, cien­­tistas como Dawkins "se­­questraram" Darwin como fi­­zeram os eugenistas descritos em seu livro?

Certamente Dawkins e o No­­vo Ateísmo sequestraram Dar­­win, e nós deixamos que eles dessem o tom do debate em termos de explicação científica, e não de Metafísica. A ciência leva crédito pelo que pode explicar, e Deus leva crédito pelo resto. Se Deus não é necessário para explicar o que a ciência vai desvendando, Ele não é mais necessário para nada. Nós deixamos um "an­­titeólogo", Dawkins, nos di­­zer o que a Teologia pode ou não fazer.

2009 é o ano de Darwin, pelo bicentenário de seu nascimento e pelos 150 anos de A origem das espécies. Com o ano quase no fim, qual sua avaliação dos esforços feitos para defender a evolução e promover sua conciliação com a religião?

Esse foi um ano interessante. Por um lado, o Novo Ateísmo do­­minou a agenda, alinhando-se tanto contra o criacionismo quan­­to contra a religião em geral. A reação por parte de pensadores religiosos consolidou a polarização. Mas, entre esses dois extremos, vozes moderadas se levantaram. Intelectuais agnósticos ou não religiosos contestaram a posição ateísta de que "a religião é má e deve sumir". E também houve o surgimento da Fundação BioLogos, criada por Francis Col­­lins para incentivar a conciliação entre evolução e cristianismo. Descobrimos que já existe um número considerável de cristãos, geralmente entre as camadas mais instruídas, que já compartilhavam da nossa posição, mas estavam marginalizados por­­que não havia quem os representasse em público. Isso é encorajador e me faz pensar que talvez haja uma luz no fim deste longo túnel da anticiência.

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A íntegra da entrevista de Karl Giberson e uma resenha de Saving Darwin estão no blog Tubo de Ensaio, sobre ciência e religião: www.gazetadopovo.com.br/blog/tubodeensaio

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