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Curitiba – A morte do ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que morreu há duas semanas sem ter sido julgado pela suposta participação na Operação Condor, reavivou a atenção pública para a situação de seu antigo aliado chileno, o general Augusto Pinochet. Aos 91 anos, Pinochet é o maior símbolo dessa operação – um plano secreto das ditaduras militares que teria eliminado opositores dos mandatários da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai na década de 70. Beneficiado pela dificuldade que a Justiça encontra para chegar aos culpados, o ex-ditador do Chile também deve encerrar sua vida sem responder pelos seqüestros e assassinatos dos quais é suspeito.

O que se vê hoje é que os antigos colaboradores do ex-ditador já não respeitam mais o pacto de silêncio e mostram cada vez mais claramente que Pinochet foi o n.º 1 da Operação Condor, afirma Enrique Serra Padrós, professor uruguaio de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, autor de várias publicações sobre a ditadura no Uruguai e vizinhos.

No entanto, sua avaliação é de que Pinochet não será condenado". "Somente após a sua morte a Justiça chilena conseguirá avançar consideravelmente na punição do segundo e terceiro escalões de líderes da ditadura. Pinochet é um mito."

O Chile demonstrou nas últimas décadas considerável respeito a Pinochet, evitando tocar em seu passado, comenta Padrós. "Ainda há fortes setores simpatizantes de Pinochet. Nessa sociedade dividida, existe o medo de as Forças Armadas não terem sido depuradas do pensamento autoritário, o que é perigoso à democracia."

A presidente chilena, Michelle Bachelet, é filha de desaparecidos da era Pinochet, lembra Padrós. Mesmo assim, o julgamento dos crimes da ditatura "ainda é uma questão delicada para os chilenos", considera. "A sociedade ainda carrega as marcas da ditadura." Por outro lado, ele acredita que "haverá uma desmitificação após a morte de Pinochet.

O que não se sabe é qual será o impacto da morte dele para a família e o prolongamento dos processos, uma vez que o principal personagem não existirá mais, analisa Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Política Internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A sociedade chilena se vê dividida diante do expurgo que representa o caso Pinochet, diz Cristina. "A era do autoritarismo foi deixada para trás, mas os chilenos ainda tentam superar o passado." Muitos partidários de Pinochet não acham necessário julgar os atos da ditadura, comenta.

Até 1998, quando Pinochet foi preso em Londres, havia todo um aparato institucional e político para inviabilizar processos contra o ex-ditador, explica o professor de Direito Internacional da Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo), Roberto Yamato. "Os dois anos de prisão aumentaram a pressão internacional para que ele fosse julgado." Outros ditadores suspeitos de participação na Operação Condor sofreram menos esse efeito. É o caso do uruguaio Juan María Bordaberry, de 78 anos, e o do argentino Jorge Rafael Videla, de 81 anos.

Hoje, Pinochet responde a inúmeros processos sobre violação de direitos humanos, malversação de recursos públicos e evasão tributária. Mesmo com uma fortuna estimada pela Justiça chilena em mais de US$ 26 milhões, de origem não explicada, Pinochet escapou de um julgamento de cunho internacional. Prevaleceu a avaliação do começo desta década de que ele é incapaz de se defender por problemas de saúde.

Além da Justiça chilena, que acumula mais de 200 processos contra crimes da era Pinochet, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica, também recebeu denúncias, mas os processos desse tribunal estão relacionados ao Estado chileno e não à figura de Pinochet.

Existem processos na Corte Interamericana de Direitos Humanos em fase adiantada. A sentença sobre o caso Almonacid Arellano versus Chile, por exemplo, deve ser proferida no final de setembro, segundo o juiz Antônio Augusto Cançado Trindade.

Em novembro de 2005, o Chile havia contestado essa demanda e questionado a competência da corte, pedindo que o caso fosse rechaçado pelo Tribunal. O processo é sobre a falta de investigação e punição dos responsáveis pela execução do professor e militante do Partido Comunista, Luís Almonacid Arrelano, em 1973, assim como a falta de reparação adequada a seus familiares.

A procura pela corte para julgar casos da era Pinochet mostra o amadurecimento do ativismo em direitos humanos em acessar outras instâncias além da Justiça chilena, avalia Yamato.

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