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O presidente russo, Vladimir Putin, fala durante uma reunião com os diretores de escolas. em Veliky Novgorod, Rússia, 21 de setembro de 2022.
O presidente russo, Vladimir Putin, fala durante uma reunião com os diretores de escolas. em Veliky Novgorod, Rússia, 21 de setembro de 2022.| Foto: EFE

Diante da virada ucraniana na guerra, com o recuo das tropas russas até a fronteira, e do enfraquecimento do poderio de Vladimir Putin dentro e fora do próprio país, o líder russo apelou para uma das poucas saídas que lhe restam – e a que, possivelmente, ele pretende seguir desde o começo do conflito: a ameaça nuclear. "Usaremos todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e nosso povo", alertou Putin em anúncio oficial. “Isso não é um blefe”, reforçou.

Como a guerra na Ucrânia nunca foi, de fato, apenas um conflito local, mas remonta à oposição ao Ocidente da Guerra Fria e serve como uma resposta tardia à dissolução da ex-União Soviética, a ameaça nuclear não é feita apenas contra o país vizinho dos russos. “Não vamos matar todo o mundo, mas podemos matar muita gente em muitos países. Estamos prontos para usar armas nucleares contra países ocidentais, contra o Reino Unido”, alertou Sergei Markov, ex-assessor de Vladimir Putin.

O ex-presidente do país, Dmitri Medvedev, faz coro. "Não apenas as capacidades de mobilização, mas também todas as armas russas, incluindo armas nucleares estratégicas e armas baseadas em novos princípios, podem ser usadas para proteger a Rússia”, disse o agora vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, em seu canal no Telegram.

Medvedev também disse que os referendos planejados pelas autoridades russas e separatistas sobre grandes áreas do território ucraniano ocorrerão e que "não há como voltar atrás".  "O establishment ocidental e todos os cidadãos dos países da Otan em geral devem entender que a Rússia escolheu seu próprio caminho", disse ele.

“É preciso levar essa ameaça realmente a sério” 

Para Julien Théron, cientista político, professor e coautor de “Putin, a estratégia da desordem” (tradução livre, sem versão em português), publicado pela editora Tallandrier em 2021, não é de se surpreender que, com o enfraquecimento do discurso bélico e czarista do presidente russo, a ofensiva nuclear seja a saída.

“O estudo estratégico mostra que o uso de armas nucleares não representa nenhum problema prático, moral ou estratégico para Putin. Pelo contrário. Isso causaria uma desordem internacional colossal e essa é justamente a estratégia do Kremlin, que está muito confortável com essas situações”, disse Théron, em entrevista ao periódico francês Le Figaro. “É preciso levar essa ameaça realmente a sério”, concluiu.

Em uma outra entrevista especial ao mesmo jornal, Lev Shlosberg, uma das últimas figuras de oposição a Putin em liberdade na Rússia, acredita que “nada mais é impossível” nessa guerra. Segundo ele, o presidente russo se considera um “messias” que quer “refazer o mapa político do mundo para apagar o que ele chama de injustiça histórica do colapso da URSS”. Para isso, segundo Shlosberg, Putin está pronto para “usar todos os meios políticos, econômicos e militares”, sem considerar “os custos dessas ações”.

Margarita Simonyan, editora-chefe da emissora estatal RT e um dos principais rostos da propaganda de guerra de Putin, disse: “A julgar pelo que está acontecendo e pelo que está prestes a acontecer, esta semana marca o limiar de nossa vitória iminente ou o limiar de uma guerra nuclear. Não consigo ver nenhuma terceira opção.”

Primeiro passo da escalada nuclear: anexação de territórios 

A advertência de Putin serve como um ultimato para a Ucrânia e o Ocidente. Reagindo a seus fracassos militares no Leste da Ucrânia e se preparando para o contra-ataque, Vladimir Putin decidiu organizar "referendos" de anexação no leste da Ucrânia de 23 a 27 de setembro.  

Se quatro regiões cobiçadas por Moscou fizerem parte do país, como o que o Kremlin fez em março de 2014 com a Crimeia, e a Ucrânia seguir com soldados nessas áreas, a Rússia poderá usar bombas, com pretexto de defender o território russo e seguindo a doutrina nuclear do país.

O ex-KGB Sergueï Jirnov lembra que parte dos investimentos destinados à modernização militar russa desde 2010 foi para o desenvolvimento de armas nucleares. Destinando publicamente 15% do orçamento total do Estado — cerca de US$ 60 bilhões (quase R$ 310 bilhões) — ao exército, enquanto países como a França investem entre 2 e 3%, a Rússia já dava indícios de que preparava o terreno para a guerra. Hoje, os investimentos reais devem ser de mais de 30% dos cofres russos.

Radicalização 

Parte das armas que resultaram de tamanho investimento já foram utilizadas – sem justificativa – na Chechênia e na Síria, como testes para um planejamento militar maior que, possivelmente, tinha na Ucrânia apenas o ponto de partida. “Tenho a convicção de que foram tentativas de testar as defesas aéreas dos outros países e da Otan”, escreveu Jirnov no livro “L’Engrenage” (“A Engrenagem”, em tradução livre, sem versão em português), publicado pela editora Albin Michel em julho deste ano.

Tendo conhecido pessoalmente Putin, assim como as estratégias da KGB, Jirnov já previa, dois meses atrás, que “quanto mais contratempos o czar encontrar na Ucrânia, mais ele radicalizará”.

O presidente russo sabe que se exporia a uma resposta automática e de longo alcance dos ocidentais caso se aventurasse por esse perigoso caminho nuclear. Até mesmo a parceira China o alertou sobre o alto custo que ele teria que pagar se cruzasse a linha vermelha.  Nesta quarta-feira (21), Wang Yi, o ministro chinês das Relações Exteriores, declarou que “a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas”.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, falou à Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio de videoconferência, na noite de quarta-feira (21) e defendeu a instalação de um tribunal de crimes de guerra para julgar a Rússia. "A Ucrânia quer a paz. A Europa quer a paz. O mundo quer a paz. E temos visto quem é o único que deseja a guerra", acrescentou.

Acontece que Putin não teme a ONU nem a China. Também não teme uma represália ocidental. Pelo contrário: procura por ela desde muito antes de invadir a Ucrânia em fevereiro deste ano.

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