Amorim defendeu a fala de Lula em que ele dá apoio ao regime ditatorial dos irmãos Fidel e Raúl Castro| Foto: Sergio Moraes/Reuters

Legislação

Constituição censura opiniões divergentes

Folhapress

Organizações de direitos humanos há anos questionam o sistema legal de Cuba, defendida pelo presidente Lula na terça-feira, cuja Constituição diz, em seu artigo 62º, que "nenhuma das liberdades reconhecidas (no texto) pode ser exercida (...) contra a existência e os fins do Estado socialista nem contra a decisão do povo cubano de construir o socialismo e comunismo’’.

Esse trecho torna ilegal, portanto, organização política ou manifestação política que busque modificar o sistema de governo e é vago o suficiente para englobar desde passeatas até os dissidentes que recebem verba dos EUA para manter suas atividades – esses últimos podem ser encaixados em outros artigos do Código Penal da ilha.

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Um dia após as polêmicas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo respeito às decisões da Justiça cubana e criticando o uso da greve de fome co­­mo ferramenta para exigir a soltura de presos políticos da ilha, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que não é pa­­pel do Brasil apoiar "tudo que é dissidente’’ pelo mundo.

"Tem muita gente que quer o apoio do governo brasileiro. Uma coisa é você defender, como nós defendemos, a democracia e os di­­reitos humanos, outra coisa é vo­­cê sair dando apoio a tudo que é dis­­sidente de todo o mundo, isso não é papel (do Brasil)’’, disse Amo­­rim.

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O ministro também afirmou não estar constrangido com as declarações de Lula, que ele considera terem sido apenas uma autocrítica à greve de fome que o próprio presidente fez no passado.

Lula visitou Cuba em fevereiro, no dia seguinte à morte do preso político Orlando Zapata Ta­­mayo, após 85 dias de greve de fome em protesto contra as torturas sofridas e as más condições do cárcere cubano.

Na terça, Lula afirmou em en­­trevista que não poderia questionar as detenções de opositores ao governo castrista e classificou co­­mo "insanidade’’ a alternativa en­­contrada por Zapata e outros dissidentes para protestarem na prisão. Para o presidente, "a greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas’’. Ele também defendeu o respeito às decisões da Justiça cubana.

Críticas

As declarações de Lula receberam uma enxurrada de críticas, num momento em que o governo brasileiro luta para man­­ter a liderança na América Latina. As palavras do presidente indignaram dirigentes de entidades de defesa dos direitos humanos e a Ordem dos Advogados (OAB), além de ter provocado a revolta de diversos dissidentes cubanos (veja mais ao lado) .

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Pesquisador da Human Rights Watch (HRW), Nik Steinberg acredita que o silêncio das autoridades pode aliviar as pressões sobre o regime castrista e dificultar a mudança de posicionamento das autoridades cubanas em relação aos dissidentes da ilha. "Acredito que qualquer país que falhe em criticar a repressão a direitos civis e políticos não está fazendo pressão sobre Cuba. O silêncio diante destes abusos ou a comparação entre presos políticos e bandidos não vai exercer pressão sobre o governo cubano para mudar essa realidade."

Para Steinberg, que passou duas semanas em Cuba no ano passado para elaborar um relatório, a comparação feita por Lula durante a entrevista foi in­­feliz e desanimadora para os que lutam pelo fim do isolamento do país.

"É muito decepcionante que o presidente Lula tenha comparado esses presos políticos a bandidos. Nós estamos falando de pessoas que foram impedidas de exercer seus direitos básicos de se expressar."

A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecilia Coimbra, classificou a posição de Lula como "extremamente infeliz", e afirmou que o presidente se contradiz ao defender o governo cubano ao mesmo tempo em que prega a política de não intervenção e respeito às decisões de outros países.

"Quando ele critica a greve de fome (como instrumento político) e defende as decisões do governo cubano sobre o assunto ele está, sim, se metendo. Está defendendo um país que está longe de ser uma democracia e um governo que pre­­cisa ser questionado", afirmou, lembrando que, durante a ditadura brasileira, os desaparecidos po­­líticos também eram chamados de bandidos.

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Já o diretor para a América La­­tina da Anistia Internacional, Ja­­vier Zuñiga, criticou o sistema ju­­dicial cubano, justificando a greve de fome dos dissidentes, ameaçados pelo descaso às suas condições físicas. "Nós não so­­mos a fa­­vor ou contra a greve de fome. In­­felizmente o sistema ju­­dicial cuba­­no não é independente. Os julgamentos de dissidentes não são res­­peitados e esse é um dos maiores problemas naquele país."

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Interatividade

Qual é a sua opinião sobre a fala de Lula em que ele diz que a determinação da Justiça cubana deve ser respeitada?

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