Martin Vizcarra, presidente do Peru| Foto: Demetrius Freeman/Bloomberg

Bloqueios feitos com barro, paus e arame impedem a entrada em vilarejos ao longo do lado norte do Rio Tambo – um sinal de revolta no vale fértil, cultivado desde os tempos incas.

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Por quase uma década, os agricultores desta faixa verde encravada entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico resistiram à construção de uma mina de cobre que, segundo eles, poluirá o curso da água e destruirá seus meios de subsistência. Agora eles se sentem traídos pelo presidente do Peru, Martín Vizcarra, que concedeu a aprovação final ao projeto Tia Maria, da mineradora Southern Copper.

"Não podemos permitir", disse a vereadora Zulema Quispe, que estava passando pelas barricadas em uma motocicleta. Os campos cultivados por séculos serão contaminados pela mina, a apenas um quilômetro de distância, disse ela. "O presidente está dando prioridade a uma empresa multinacional e não vamos aceitar isso".

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Vale Tambo, em Arequipa, Peru | Foto: Miguel Yovera/Bloomberg| Foto: Bloomberg

Olhando de fora, o Peru parece uma ilha de calmaria no mar de agitação que varre a América do Sul. Mas a raiva dos agricultores na região sul de Arequipa mostra que o país não está imune ao mal-estar regional - e que o presidente pode ser decisivo nesta questão.

Vizcarra está apostando alto para conter a indignação do público quanto à corrupção desenfreada e o sistema, enquanto tenta manter a economia, dependente de mineração, nos trilhos. Sua decisão de dissolver o Congresso, controlado pela oposição, em setembro deu a ele aliados e encorajou seus críticos em um momento em que os protestos abalaram os vizinhos Bolívia e Chile, a leste e sul, e Equador e Colômbia, ao norte.

Vizcarra, cujo governo acabou de perder um terceiro ministro em dois meses, reconhece a ameaça de turbulência no Peru, mas diz que a dissolução do parlamento ajudou a aliviar "enormes" tensões políticas. As eleições legislativas, marcadas para 26 de janeiro, devem indicar se ele está correto ou não.

"Houve uma calmaria após a dissolução do Congresso", disse Mercedes Araoz, que chegou a assumir como presidente do Peru por um dia, em um episódio de disputa de poderes entre Executivo e Legislativo, e que renunciou ao cargo de vice-presidente para protestar contra a dissolução do Congresso. "Mas as pessoas vão começar a apresentar suas demandas a um governo que não tem uma agenda clara". Sem melhores relações entre empresas de mineração, comunidades e governo, o conflito social provavelmente aumentará, disse ela.

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O presidente Vizcarra

Vizcarra, 56, seguiu um caminho não convencional ao poder. Engenheiro que dirigia uma empresa de construção familiar no sul por quase duas décadas antes de entrar para a política, ele é um estranho em Lima. Em sua chegada ao poder, ele evitou as elites da capital e cercou-se de um pequeno círculo de confidentes, nomeando aliados de sua região natal, Moquegua, para cargos no gabinete.

Sua carreira política nasceu dos protestos de rua em Moquegua em 2008, quando, como chefe do instituto de engenheiros locais, liderou as negociações para obter para a região uma parcela maior dos royalties de mineração da Southern Copper. Dois anos depois, ele venceu a disputa para governador regional e negociou o fim dos protestos da comunidade contra os planos da Anglo American de construir uma grande mina de cobre.

Em 2016, Vizcarra foi eleito vice-presidente do Peru com o ingresso de Pedro Pablo Kuczynski. Kuczynski renunciou menos de dois anos depois de assumir o poder, envolvido nas investigações da operação lava Jato no Peru, que prendeu outros três presidentes peruanos. Vizcarra era o primeiro na fila para substituí-lo.

Uma decisão controversa

Como presidente, ele introduziu projetos para reformar o judiciário e os partidos políticos, mas, diante da resistência no Congresso, acabou dissolvendo o Legislativo. Foi uma ação controversa que sinalizou sua determinação em mirar as elites do país. A federação empresarial do Peru, a Confiep, criticou a decisão.

Para Araoz, foi uma distração "pela parte superficial e frívola da política" que destacou o fracasso do governo Vizcarra em cumprir "a promessa de proporcionar melhor bem-estar social" e acelerar o crescimento econômico.

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No entanto, a medida adotada ganhou um apoio público esmagador. O Congresso é profundamente impopular e o índice de aprovação do presidente subiu para 80% depois que ele o dissolveu em 30 de setembro. Sua aprovação permanece alto enquanto ele defende um programa reformista anticorrupção.

As eleições do próximo mês ainda são difíceis de prever. Uma pesquisa do Instituto de Estudos do Peru no mês passado encontrou cerca de 5% de apoio à Força Popular de Keiko Fujimori, filha do ex-ditador condenado Alberto Fujimori e oponente de Vizcarra; 9% para a Ação Popular de centro-esquerda e 5 % para o Partido Morado, centrista, ambos mais receptivos ao presidente. Mas, após vários anos tumultuados, a maioria (61%) disse que planejava votar em braco ou nulo ou não havia decidido ainda.

Embora Vizcarra não tenha um partido político próprio e não apoie nenhum candidato, alguns podem apoiar seu programa de qualquer maneira. Mas eles também podem tentar investigar o fechamento do parlamento. O Tribunal Constitucional dará o tom quando decidir sobre a legalidade da decisão, possivelmente nas próximas semanas.

Instabilidade à espreita

A história política do Peru tem sido marcada por golpes militares, guerras e líderes corruptos desde a sua independência da Espanha, há quase dois séculos, deixando profundas cicatrizes na sociedade até hoje. Como muitos de seus vizinhos sul-americanos, ele enfrenta uma espécie de acerto de contas interno.

"O Peru é um país com um estado fraco, extrema desigualdade e instituições fracas", disse Steven Levitsky, professor de Governos na Universidade de Harvard e especialista em democracia peruana. "Portanto, sempre há risco de protestos e risco de queda do governo".

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À beira de uma catástrofe econômica há 30 anos, o Peru foi aberto ao livre comércio e ao investimento e a prudência fiscal foi adotada. O país registrou o crescimento médio mais rápido e a inflação mais baixa entre as principais economias da América Latina durante duas décadas. Mas enquanto a renda média mais que triplicou, os sistemas de saúde, educação e transporte estão falhando e o crime e a corrupção proliferaram.

O Peru é notório por conflitos sociais; mal uma semana se passa sem que haja alguma manifestação contra uma empresa de mineração, uma política governamental ou obras públicas incompletas. Os conflitos são tão frequentes que um funcionário do governo os rastreia mensalmente.

Alguns líderes empresariais consideram que Vizcarra esteja piorando as coisas quando muda os planos ao ceder a manifestantes ou ao ser confrontado pela oposição em questões como mineração e petróleo. Seu governo manteve a permissão para minas de Tia Maria, mas disse que um órgão fiscalizador revisará o estudo ambiental do projeto e que a oposição da comunidade ao projeto precisa diminuir antes que a construção possa começar.

"Precisamos ter previsibilidade e segurança de que as estruturas legais serão respeitadas para realizar investimentos de longo prazo", disse Maria Isabel Leon, presidente da Confiep.

As investigações de corrupção paralisaram os grandes investimentos em infraestrutura, enquanto as turbulências políticas prejudicaram os sentimentos em relação aos negócios. Enquanto Kuczynski, um veterano de Wall Street, estimulou a classe empresarial, os investidores não sabem o que esperar de seu sucessor.

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"Tenho a impressão de que este governo não acredita sinceramente no setor privado", disse Roque Benavides, presidente da Companhia de Minas Buenaventura, que tem participação nas maiores minas de cobre e ouro do país.

O governo de Vizcarra está trabalhando com o setor privado para desenvolver a economia, disse seu chefe de gabinete, Vicente Zeballos, acrescentando que o presidente é apreciado e respeitado pela maioria dos peruanos. O crescimento econômico está prestes a acelerar no próximo ano, e o presidente está se mexendo para conquistar os eleitores. Dias depois das ruas do Chile explodirem em protestos em meados de outubro, ele anunciou um pacote de medidas, incluindo aumento do salário mínimo e aumento do acesso a medicamentos mais baratos.

Vizcarra justifica as mudanças no sistema com o argumento de que "se as coisas não estão funcionando, você precisa alterá-las". Recentemente, ele disse que seu mantra para os membros do gabinete é: "Não estamos aqui para deixar as coisas como estão".

Ainda assim, existe um ponto de interrogação sobre quanto tempo ele pode continuar seu ato de equilíbrio, principalmente porque a mineração continua sendo o principal motor da economia.

Juan Galdos Quispe, porta-voz dos protestos contra o projeto de mineração Tia Maria, em Arequipa, Peru | Foto: Miguel Yovera/Bloomberg| Foto: Miguel Yovera
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No vale do Tambo, onde os incas cultivavam pimentas, os agricultores só querem continuar plantando batatas, cana-de-açúcar e alho para mercados no sul do Peru e na Bolívia, sem interferência da mineração. As garantias do governo de que o projeto Tia Maria não contaminará o abastecimento de água local são recebidas com ceticismo - especialmente depois que Vizcarra interveio em nome da comunidade de produtores, mas acabou concedendo permissão para a mina.

"Por que o governo quer impor esse projeto a ferro e fogo?" disse Juan Galdos, 61 anos, que cuidava uma barricada em Cocachacra, a maior cidade do vale. Preso em 2015 por se opor à mina, ele disse que foi guiado pelo exemplo de Vizcarra ao enfrentar a mineradora Southern Copper. Agora ele se sente traído.

"Eles chegam ao poder e é isso que acontece", disse Galdos.