O chanceler alemão Olaf Scholz (à direita) e o ministro da Economia, Robert Habeck, em reunião de gabinete em Berlim, no final de maio| Foto: EFE/EPA/Filip Singer
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No final de maio, o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha confirmou que o país, quarta maior economia do mundo e a maior da Europa, entrou oficialmente em recessão, ao acumular dois trimestres consecutivos de contração econômica (o último de 2022 e o primeiro deste ano).

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Essa retração pressiona a coalizão do chanceler Olaf Scholz, que governa o país desde 2021, e faz o resto da União Europeia prender a respiração – já que seu “motor” está rateando.

Os dados do Departamento Federal de Estatísticas mostram que a inflação exerceu grande influência na retração do PIB: próxima dos 9% no patamar interanual entre o final de 2022 e o início de 2023, ela forçou uma redução nos gastos das famílias e do governo.

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O ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, argumentou que a alta dependência que o país tinha das exportações de energia da Rússia e as tentativas de substituí-las, como represália pela invasão russa à Ucrânia, também contribuíram para a contração econômica.

“Eles acabaram se acomodando com essa situação [dependência do gás russo]. Agora, voltaram a usar o carvão, que vai contra toda essa ideia de combustíveis sustentáveis. Mas eles têm buscado parcerias, o que é interessante para o Brasil, onde temos abundância de matéria-prima e falta, talvez, apenas investimento para aumentar a produção, em outros tipos de biocombustíveis. A Alemanha vai precisar diversificar essa pauta de fornecimento”, destacou Ana Flávia Pigozzo, professora do curso de negócios internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), em entrevista à Gazeta do Povo.

O momento de instabilidade começa a cobrar a fatura de Scholz e seus aliados. Uma pesquisa recente realizada pelo instituto infratest-dimap mostrou que o partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) atingiu um índice de 18% da preferência do eleitorado, empatando com o Partido Social-Democrata (SPD) do atual chanceler, que governa o país em coalizão com os partidos Verde (15% de preferência) e Democrata Livre (FDP, com 7%).

O bloco de centro-direita da União Democrata Cristã (CDU) e da União Social Cristã na Baviera (CSU), da ex-chanceler Angela Merkel (2005-2021), apareceu com 29%. Outra pesquisa mostrou que cerca de 40% dos alemães acreditam que a coalizão de Scholz, desgastada também por divergências internas, vai se desfazer antes do final do período legislativo regular, em 2025.

“Recessão sempre tem custo político, quem está governando acaba sofrendo. E se puxarmos um pouco, no período Merkel, a guerra na Síria, toda a migração de refugiados que a Alemanha recebeu, não é algo se fala tanto na mídia hoje, mas continua acontecendo, e juntam-se a isso [efeitos da] Covid-19 e guerra na Ucrânia, é muita informação e certamente há um desgaste político”, afirmou Pigozzo.

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Tensão europeia

Para os vizinhos europeus, a recessão econômica alemã gera grande preocupação. A Alemanha corresponde a cerca de 25% do PIB da UE e é o maior parceiro comercial de mais da metade dos 27 países do bloco.

“Além de fatores cíclicos [inflação na Alemanha e expectativa de menor crescimento dos Estados Unidos], a guerra em curso na Ucrânia, as mudanças demográficas e a atual transição energética pesarão estruturalmente na economia alemã nos próximos anos”, afirmou Carsten Brzeski, economista do banco ING, ao jornal americano Politico.

Para mitigar as mudanças climáticas, a Alemanha tem enfatizado a redução das emissões de carbono, mas tem batido cabeça nessa transição – problema acentuado pela necessidade de buscar alternativas ao gás russo.

O país fechou em abril suas últimas três usinas nucleares, energia não renovável, mas limpa, e passou a utilizar mais carvão desde o ano passado. Uma reportagem recente da Bloomberg apontou que a Alemanha, com um litoral relativamente pequeno e falta de sol, instalou cerca de 10 gigawatts de capacidade eólica e solar em 2022, apenas metade do ritmo necessário para atingir as metas climáticas que estabeleceu.

O país está buscando construir infraestrutura para importar hidrogênio (de países como Austrália, Canadá e Arábia Saudita), mas o uso dessa tecnologia nunca foi testado em escala tão grande, destacou a agência americana.

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A Bloomberg ressaltou que outros empecilhos para a recuperação econômica alemã são excesso de burocracia, níveis de investimentos e ensino superior inferiores aos de outros países ricos (nenhuma universidade alemã apareceu entre as 25 melhores do mundo no último ranking da revista britânica Times Higher Education) e envelhecimento da população.

“Nenhuma grande economia industrializada jamais teve a própria base de sua competitividade e resiliência tão sistematicamente desafiada por pressões exercidas por mudanças sociais, ambientais e regulatórias”, ressaltou um relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Encontrar uma solução para esse quebra-cabeça não é essencial apenas para a sobrevivência política de Scholz – também é para a economia europeia e mundial.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]