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Judeus ultra-ortodoxos, vestidos com chapéus e casacos pretos, vão rezar com seus filhos no Muro das Lamentações, o local mais sagrado do judaísmo, em 27 de maio de 1988.
Judeus ultra-ortodoxos, vestidos com chapéus e casacos pretos, vão rezar com seus filhos no Muro das Lamentações, o local mais sagrado do judaísmo, em 27 de maio de 1988.| Foto: EFE

Um relatório global sobre antissemitismo divulgado esta semana aponta que, em 2022, houve um aumento acentuado no número de incidentes antissemitas nos Estados Unidos e em outros países ocidentais.

O documento elaborado pela Universidade de Tel Aviv, em cooperação com a Liga Antidifamação (ADL), examinou dados provenientes de relatórios de agentes de aplicação da lei (como as polícias), mídias local e nacional, organizações da comunidade judaica e outras agências que monitoram incidentes antissemitas, em 25 países. São incidentes como vandalismo, assédio, propaganda, discurso de ódio e agressões físicas.

As principais vítimas dos ataques físicos foram judeus “visivelmente identificáveis” (especialmente por suas vestimentas típicas), particularmente os Haredi (ultra-ortodoxos), diz o estudo. Eles incluíram espancamentos, cuspidos, xingamentos e objetos jogados contra as vítimas, “pelo simples fato de serem judeus”, coloca a professora doutora Sofia Débora Levy, diretora do Memorial às Vítimas do Holocausto/RJ e membro do Conselho Acadêmico da StandWithUs-Brasil.

De acordo com o documento, esses incidentes ocorreram em um número pequeno de áreas em grandes centros urbanos, geralmente nas ruas ou no transporte público, e não perto, ou dentro, de sinagogas, instituições ou estabelecimentos judaicos. “Quando o governo tem sensibilidade, já deixa ali uma ronda para inibir esse tipo de ato e trazer mais segurança”, explica a professora.

Segundo os pesquisadores, os atos aparentam não terem sido premeditados e as motivações dos agressores não são fáceis de distinguir, podendo ser tanto por um antissemitismo "profundamente arraigado", ódio a Israel, bullying ou ainda uma combinação dos três. “Os incidentes antissemitas não são um fenômeno abstrato. Sejam físicos ou virtuais, eles afetam pessoas reais no mundo real”, diz o relatório.

Aumento de casos

Para a professora, o dado que mais chama a atenção do relatório é o aumento de casos nos Estados Unidos. No país, onde vive o maior número de judeus fora de Israel, foram registrados 3.697 incidentes antissemitas, em comparação com 2.717 em 2021 – um ano recorde. Lá, a disseminação de propaganda antissemita quase triplicou em relação a 2021, atingindo um total de 852 incidentes, afirma o estudo.

Nova York, fundada por judeus e que tem uma grande população judaica, foi a cidade americana que mais registrou agressões físicas. Segundo o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), foram 261 crimes de ódio contra judeus (214 em 2021), sendo 30 físicos. Já o Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD) registrou 86 em 2022, em comparação com 79 em 2021. Enquanto isso, a Polícia de Chicago registrou 38 incidentes em 2022, trinta a mais do que em 2021, sendo onze deles físicos. As três cidades são as que possuem a maior população judaica nos EUA.

Um aumento nos incidentes antissemitas também foi registrado em outros países do Ocidente, incluindo Bélgica, Hungria, Itália e Austrália.

Na Bélgica, foram registrados 17 ataques antissemitas em 2022, em comparação com apenas 3 em 2021. Este é o número mais alto desde que sete ataques foram registrados em 2016. Na Hungria, ocorreram 45 incidentes (oito a mais do que em 2021), sendo que a maior parte era de discurso de ódio. Na Itália, foram registrados 241 incidentes de antissemitismo, a maior parte deles on-line (164). Já na Austrália, os números vêm crescendo desde 2019, com 368 incidentes reportados naquele ano; 447 no ano de 2021 e 478 em 2022. Em 2020, houve uma pequena redução: foram 331 registros australianos.

Diminuição de ataques

O documento elaborado pela Universidade de Tel Aviv, em cooperação com a Liga Antidifamação (ADL) também apontou que houve uma redução de ataques em países como Alemanha, Áustria, França, Reino Unido, Canadá e Argentina, em comparação com os números de 2021.

No Reino Unido, houve uma diminuição de incidentes (1.652 em 2022, contra 2.255 em 2021), mas Londres foi a cidade europeia em que mais aconteceram agressões físicas, com 29 registros da Stamford Hill Shomrim, uma organização voluntária de monitoramento. Já a CST – Protecting Our Jewish Community, que realiza um trabalho similar, registrou 82 ataques físicos na Grande Londres.

Na Áustria, no período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2022, foram registrados 381 incidentes, contra 562 no mesmo período do ano anterior. Na França, 436 incidentes foram documentados em 2022, comparando com 589 em 2021, enquanto que na Argentina foram 427 ataques em 2022, e 488 em 2021.

Na Alemanha, foram documentados 2.649 “crimes políticos com fundo antissemita” no ano passado, menos do que o recorde de 3.028 crimes de 2021, mas ainda "significativamente superior" aos números de 2020 (que teve 2.275 registros) e de 2019 (1.839 incidentes). Apesar da redução, o estudo aponta que o antissemitismo ainda é uma ameaça no país, "onde uma tentativa de golpe planejada por nacionalistas radicais foi frustrada no ano passado".

Em comunicado, Jonathan Greenblatt, CEO da Liga Antidifamação (ADL) afirmou que: “Os dados contidos nesta pesquisa são muito preocupantes. É alarmante ver o aumento significativo de incidentes e tendências antissemitas nos Estados Unidos e em vários outros países. Igualmente preocupante é que, ao contrário de 2021, não houve eventos específicos que possam ser associados a um aumento do antissemitismo, o que fala da natureza profundamente enraizada do ódio aos judeus em todo o mundo”.

Para a professora, apesar da redução de casos em países como Inglaterra e França, os números ainda são altos. E a diminuição dos ataques nesses países não indica, necessariamente, uma tendência ou “que já estejamos num declínio necessariamente. Pode ser apenas uma breve redução. E pode piorar, infelizmente”, diz.

Países sem judeus

Mesmo países com pouca população judaica, como no caso do Iêmen, onde não há quase nenhum judeu habitando, afirma o relatório, há incidentes reportados. O grupo dos Houthis foi um dos “mais barulhentos propagandistas antissemitas no mundo árabe”, segundo o documento. E, no Japão, dois partidos políticos menores que possuem "teorias de conspiração antijudaicas" chegaram ao parlamento. O estudo conclui que “um dos atributos mais preocupantes do antissemitismo é que os judeus não precisam fazer parte de uma sociedade para serem difamados lá”.

Para a professora, os números de casos podem ser ainda maiores, já que “os instrumentos de pesquisa, as estatísticas, elas auxiliam. Mas elas não dão, necessariamente, o quadro total da realidade. Existe, com certeza, um número ainda maior porque nem todos os casos são registrados. Isso vale para qualquer tipificação criminosa, de queixas. Muitas vezes as pessoas têm medo de se manifestarem”.

Combate ao racismo

Para os pesquisadores, são necessárias mais ações para combater o antissemitismo, incluindo que "os chamados incidentes menores de motivação racial, como atirar ovos ou cuspir em judeus", tenham "graves consequências". De acordo com o professor Uriya Shavit, chefe do Centro para o Estudo do Judaísmo Europeu Contemporâneo na Universidade de Tel Aviv: “Nossa pesquisa indica que policiamento eficaz, acusações e campanhas educacionais em um pequeno número de áreas urbanas em vários países ocidentais podem levar a uma significativa redução do número de ataques antissemitas violentos. A luta contra o antissemitismo deve incluir objetivos mais práticos, mensuráveis e transparentes”, afirma em comunicado.

Para a professora, “a gente precisa, a partir desses dados que são preocupantes, incrementar ainda mais, e isso em caráter internacional, as políticas de governo no âmbito educacional. Nós precisamos unir forças no âmbito público e no âmbito privado, sensibilizando os diversos países do mundo para essa dura onda que ainda vem prevalecendo”. Ela afirma: “Não podemos nos iludir achando que um preconceito contra um grupo nunca irá nos atingir. Nós temos de combater todas as formas de preconceito e de radicalismo”.

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