• Carregando...
A separação de detritos, ainda resultantes do terremoto, é fonte de renda para haitianos. A operação é coordenada pela ONU | Antônio Costa/Gazeta do Povo
A separação de detritos, ainda resultantes do terremoto, é fonte de renda para haitianos. A operação é coordenada pela ONU| Foto: Antônio Costa/Gazeta do Povo

Porto Príncipe, Haiti - Na conferência internacional realizada em Nova York em março, quando diversos países prometeram um total de US$ 15 bilhões ao Haiti, o grande lema foi: "Vamos reconstruir melhor do que estava antes". Um ano após o terremoto que devastou parte da capital Porto Príncipe, essa reconstrução se restringe a obras tímidas em ruelas, mas que impactam dezenas de famílias pelo caminho.

"Eles fazem isso e eu fico menos doente", contou à reportagem uma senhora que não soube soletrar o nome em outra língua que não o créole, um dos idiomas oficiais do Haiti. Ela vende roupas e pacotes de cereais na calçada da Rua Bouckman, que está sendo asfaltada por militares da Companhia de Engenharia do Exército brasileiro. Fica menos doente, segundo ela, porque a obra reduz a quantidade de pó, intenso nesta época de "inverno" (o termo aqui pode ser traduzido como muito calor e pouca chuva).

Nos últimos seis meses, os engenheiros militares fizeram cerca de dez serviços como esse, fruto de um convênio com o Brasil, ao custo de US$ 200 mil.

Se fizessem só isso, teriam a cidade inteira para recapear, já que as ruas se parecem mais com a superfície lunar do que com uma capital de país. Para melhorar esse cenário – que atrapalha a vida do haitiano tanto quanto a do paulistano, visto que os engarrafamentos podem durar horas –, uma riqueza foi encontrada no meio da tragédia: os próprios escombros estão sendo usados para fechar buracos de vias.

Por mais que pareça algo banal, esse é o escopo de um projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que levou meses para ser aprovado.

Além de mitigar o problema do trânsito, a retirada dos blocos de cimento e demais dejetos dos locais destruídos se mostrou uma grande fonte de renda para a população, paga para transportá-los aos locais onde serão reutilizados. De acordo com o chefe de unidade de recuperação imediata do Pnud, o suíço Henri-François Morand, 240 mil pessoas já foram contratadas para essa atividade, e a expectativa é dobrar o número no próximo ano.

Como funciona

Depois de reunidos, os dejetos são transformados em areia, num pequeno terreno situado numa rua caótica do bairro Carrefour Feuilles. Quem coordena esse trabalho é o haitiano Vladimir Goin, chefe de uma equipe de cerca de cem pessoas, haitianos como ele, que encontraram na reconstrução uma fonte de renda.

Uma exigência da ONU é a de que 40% dos contratados nesse tipo de projeto sejam mulheres – como no Brasil, muitos lares são sustentados por elas, que com frequência encontram desvantagens no mercado de trabalho. É o caso de Nadege Saint-Nostin, que, por duas semanas, ajudará a pagar as contas em casa. Isso porque o trabalho braçal – como o que ela faz, de separar roupas e objetos dos detritos demolidos – é oferecido pela ONU por apenas 15 dias, a apenas um integrante de cada família, de forma a expandir o benefício.

O trabalho é aprovado por pessoas como Jean Siclait, que deixou a agência de migração em que trabalhava para aderir ao projeto, num contrato de seis meses. "Sou engenheiro civil. Me dá prazer trabalhar aqui e poder refazer parte do país", conta, pouco antes de subir pela montanha de detritos para ajustar uma escavadeira.

É o mesmo discurso de Vladimir Mussotte, que trabalha num escritório de engenharia e agregou à sua rotina a operação de máquinas trituradoras de detritos. Ele não esconde que essa também é uma forma de ganhar mais dinheiro – assunto que, quando mencionado, provoca um enorme sorriso de dentes brancos. "Se esse trabalho fosse multiplicado, seria melhor."

E ele deve ser ampliado no futuro, já que estão sendo feitos testes para também fabricar telhas com os restos das construções demolidas. Por enquanto, a areia resultante da trituração é doada a ONGs e pessoas em geral.

Em breve, de acordo com o Pnud, esse material que sai da trituradora comandada pelos dois haitianos de nome Vladimir será usado para pavimentar alguns trechos da capital. "O Haiti tem hoje uma oportunidade histórica de criar infraestrutura urbana", avalia Morand.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]