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Iranianos tiram fotos em Teerã, a capital do país | Ali Mohammadi/Bloomberg
Iranianos tiram fotos em Teerã, a capital do país| Foto: Ali Mohammadi/Bloomberg

Com o governo Trump reimpondo as sanções destinadas a isolar economicamente o Irã do mundo, é o povo iraniano que está se sentindo isolado. As passagens aéreas para o exterior tiveram seu custo triplicado. Uma importante válvula de escape para os problemas econômicos e políticos do Irã ficou fora do alcance de muitos.

O forte aumento no preço das passagens aéreas, resultante das restrições à realização de negócios em dólares, se soma ao profundo desencanto de muitos iranianos, que desfrutaram de um breve período de otimismo após o acordo nuclear de 2015. Por um tempo, o turismo para as capitais da região e da Europa disparou à medida que o Irã começava a perder seu status de pária. 

Agora, os iranianos estão cada vez mais isolados em um país onde a moeda está entrando em colapso, os preços dos alimentos dispararam, alguns medicamentos importados estão em falta e até mesmo o papel para impressão tornou-se tão difícil de obter. Alguns jornais estão reduzindo o número de páginas ou fechando. Para muitos iranianos, é um sentimento familiar, mas indesejável: presos, com pouca esperança de uma respiro no exterior. 

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A estagnação econômica, a inflação alta e a raiva pela corrupção no governo alimentaram pequenos protestos em muitas regiões operárias do Irã ao longo deste ano. Mas quando as sanções econômicas voltaram, há duas semanas, o descontentamento ameaçou se espalhar para as classes média e alta do Irã, à medida que prazeres como viagens ficam, cada vez mais, fora do alcance. 

Para a maioria dos iranianos, viajar para destinos europeus ou regionais como Dubai, Istambul e cidades no Iraque já era bem complicado. Os passaportes iranianos estão entre os que tem mais restrições no mundo para a obtenção de vistos. "Isto tem sido uma fonte de enorme frustração e ressentimento para as pessoas que certamente antecede Trump", disse Karim Sadjadpour, um especialista iraniano no Carnegie Endowment for Peace. 

Mas a partir de 2012, muitos países como Turquia, Geórgia, Sérvia, Rússia e Azerbaijão começaram a flexibilizar os requisitos para que os iranianos os visitassem. Eles se uniram a países asiáticos como a Tailândia e a Malásia para possibilitar que os iranianos viajassem sem visto ou o obtivessem na chegada. Isto contribuiu para que os iranianos acreditassem que o isolamento da República Islâmica já não castigava às pessoas comuns. 

Depois do acordo internacional de 2015 sobre o programa nuclear do Irã, companhias aéreas estrangeiras como a Air France e a holandesa KLM começaram a voar para Teerã, levando turistas estrangeiros para o país e impulsionando a economia local. 

Uma porta que se fecha

O recente aumento nos preços das passagens aéreas está, mais uma vez, fechando esta porta para o mundo. E isto se soma à determinação do presidente Donald Trump, que impede os cidadãos iranianos de entrar nos Estados Unidos. Muitos agora não podem sequer visitar os parentes em grandes comunidades iranianas nos EUA. Outros reclamam que o estigma da proibição americana também está dificultando a entrada em alguns países europeus. 

 Agora, diz Sadjadpour, "a questão é em última instância: a quem as pessoas culpam por esta situação? À América? Eles culpam seus próprios líderes? Eles culpam às sanções econômicas?" 

O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, parece estar muito consciente das crescentes frustrações públicas, que frequentemente atribuem os problemas do Irã à má administração interna e não à pressão internacional. Khamenei ecoou esse sentimento no início deste mês, tomando a medida inusual de culpar o governo do presidente Hassan Rouhani pela crise econômica. A TV estatal iraniana citou Khamenei dizendo que a má gestão econômica, mais do que as sanções, tem sido a fonte das dificuldades. 

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Com o rial iraniano perdendo mais da metade do seu valor aparentemente da noite para o dia, os iranianos estão culpando cada vez mais as autoridades do país por não protegê-las das consequências das sanções econômicas, que o governo Trump impôs depois de se retirar do acordo nuclear em maio. 

"Estamos em crise por causa do governo. As pessoas não confiam no governo", disse um morador de Teerã de quase 30 anos, que pediu anonimato por temer criticar publicamente o regime. 

Assim outros, ele não acreditava que o desespero crescente levaria a manifestações generalizadas que poderiam desestabilizar o governo e o establishment clerical. Em vez disso, disse ele, as dificuldades só levarão à sensação da classe média iraniana "aprisionada no país". Como outros no país, ele tinha planos de visitar a Turquia em setembro, mas desistiu da ideia quando os preços das passagens aumentaram. 

Negócios em queda

Não se espera a divulgação de dados sobre as viagens dos iranianos para o exterior nos próximos meses, mas, segundo especialistas do setor, o impacto no aumento dos preços das passagens foi imediato. Em comparação com o mesmo período do ano passado, as reservas para destinos fora do diminuíram pela metade, disse Majid Nejad, fundador de uma das maiores agências de viagens do Irã. 

A maioria das empresas aéreas cobra as passagens em dólares. O declínio acentuado do valor de troca do rial tornou os dólares inacessíveis para a maioria dos iranianos, disse Nejad. 

Companhias aéreas domésticas e algumas estrangeiras estavam cobrando em riais, mas não são mais capazes de converter seus riais em dólares a uma taxa de câmbio subsidiada pelo governo. Na semana passada, a Organização de Aviação Civil do Irã disse que as companhias aéreas teriam que usar as taxas de mercado para fazer o câmbio. Isto foi um golpe adicional para as companhias aéreas, contribuindo para tarifas mais caras. 

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Companhias aéreas europeias como a alemã Lufthansa responderam às dramáticas flutuações no valor do rial, eliminando os bilhetes mais baratos na classe econômica, disse Nejad. "Há desilusão dentro do país", disse Nejad, acrescentando que muitos viajantes estão frustrados com seu governo por administrar mal a economia e com os Estados Unidos por abandonarem o acordo nuclear com o Irã. 

 "As pessoas tem mais liberdade para viajar para fora do país, mas ninguém tem dinheiro para ir. As pessoas estão vendo seu poder de compra cair pela metade", disse ele. 

Sem perspectivas de alívio

As perspectivas de alívio não são promissoras. Uma nova rodada de sanções dos EUA, visando o principal produto de exportação do Irã, o petróleo, deve entrar em vigor em novembro. Nejad disse que várias companhias aéreas europeias parecem estar se preparando para o pior. A Air Astana, do vizinho Cazaquistão, já suspendeu os voos para o Irã. A Air France e a KLM sinalizaram que seguirão o exemplo em setembro, depois de reduzirem a frequência de voos no início deste ano. 

Arghavan Dabashi, uma agente de viagens na Turquia, o principal destino dos viajantes iranianos, disse que as reservas diminuíram à medida que aumentou o preço da passagem aérea, mas a maioria dos turistas está tentando conter os gastos, reservando hotéis mais baratos, cortando serviços VIP e passeios organizados. 

Ela disse que o rial em queda também afeta seus negócios. Agora, as agências de viagens precisam cobrar rapidamente a passagem, geralmente em 24 horas, ou correr o risco de perder dinheiro com as flutuações da moeda iraniana. 

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A elevação no preço das passagens também coloca em risco um rito precioso para milhões de iranianos. A peregrinação religiosa do Arbaeen – na qual os muçulmanos se lembram do martírio de Husayn ibn Ali, neto de Maomé – em setembro, costuma levar multidões para o Iraque. 

Consciente dos desafios financeiros enfrentados pelos iranianos, o governo iraquiano disse que reduziria os preços do visto para os peregrinos iranianos durante o período. Mas especialistas em turismo acreditam que até 20% daqueles que planejaram visitar provavelmente ficarão em casa.

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