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O presidente russo, Vladimir Putin, e o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, em encontro do G20 na Argentina, em 2018
O presidente russo, Vladimir Putin, e o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, em encontro do G20 na Argentina, em 2018| Foto: EFE/Ballesteros

Num cenário de alta inflação, guerra na Europa e ameaças da China, a última coisa que o Ocidente precisava era de tensões no Oriente Médio, foco de tantas preocupações nas últimas décadas. Dois movimentos ocorridos este mês, entretanto, geraram receio de que inimigos dos Estados Unidos e de seus aliados possam ganhar força na região.

Na primeira semana de outubro, a Organização dos Países Produtores de Petróleo com acréscimo da Rússia (Opep+) decidiu cortar a produção mundial em 2 milhões de barris por dia, o que representa 2% do que é produzido em todo o mundo.

A justificativa oficial é se precaver contra a possibilidade de uma recessão mundial e elevar os preços da commodity, que baixaram nos últimos meses após forte alta. Entretanto, o movimento da Opep+, liderada pela Arábia Saudita, foi considerado como um aceno à Rússia, já que uma elevação dos valores do petróleo ajudaria na sua guerra contra a Ucrânia.

O outro movimento que despertou atenção ocorreu na semana seguinte: a indicação de Mohamed Shia al-Sudani, político alinhado ao Irã, para primeiro-ministro do Iraque, feita pelo curdo Abdul Latif Rashid pouco depois deste ser eleito presidente pelo Parlamento.

A indicação de al-Sudani, que recebeu 30 dias para montar um governo, pode pôr fim a uma crise política de um ano no país. O Iraque foi tomado por um conflito civil entre os seguidores do influente clérigo Muqtada al-Sadr e os tradicionais blocos xiitas alinhados aos iranianos a partir das eleições legislativas de outubro do ano passado.

O clérigo se opõe tanto ao Irã quanto aos Estados Unidos e seu grupo parlamentar foi o mais votado naquela disputa, mas não conseguiu formar um governo e seus manifestantes se opunham à nomeação de al-Sudani. Após a renúncia de 73 parlamentares do bloco ligado a al-Sadr, este informou que se retiraria da vida política do Iraque em agosto.

A dúvida que fica é se al-Sudani montará um governo alinhado ao Irã, inimigo histórico do Ocidente. Ao ser questionado numa entrevista coletiva sobre o novo premiê iraquiano, Vedant Patel, porta-voz do Departamento de Estado americano, sugeriu que os Estados Unidos esperam uma gestão sem interferência de Teerã.

“Estamos preparados para trabalhar com qualquer governo no Iraque que coloque a soberania iraquiana e os melhores interesses do povo iraquiano como pontos centrais da sua agenda”, afirmou.

No caso da Arábia Saudita, a saia-justa do anúncio da Opep+ causou especial constrangimento ao presidente Joe Biden, já que ele havia ido pessoalmente ao país árabe em julho para conversar com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (conhecido como MBS) para pedir aumento na produção de petróleo.

O presidente democrata não tinha em mente apenas a Rússia: a alta inflação americana deve fazer com que seu partido perca cadeiras no Congresso nas eleições de meio de mandato de 8 de novembro.

MBS, a quem Biden havia prometido tratar como “pária” durante a campanha presidencial de 2020 devido à morte do jornalista Jamal Khashoggi, acabou não atendendo à solicitação americana, o que motivou reações iradas de parlamentares democratas, pedindo até mesmo rompimento da tradicional aliança com os sauditas.

O governo americano prometeu mudanças nas suas relações com o reino, mas ainda não detalhou como isso seria feito. “O que vamos observar é qual caminho [os sauditas] querem seguir. Eles querem ficar do lado da Rússia? Eles querem continuar a fornecer esse apoio tácito à capacidade dos russos de continuar matando o povo ucraniano?”, disse John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Mohamad Bazzi, diretor do Centro Hagop Kevorkian de Estudos do Oriente Médio e professor de jornalismo na Universidade de Nova York, defendeu uma postura de mudança clara dos Estados Unidos quanto aos sauditas em artigo no jornal britânico The Guardian.

“O príncipe Mohammed concluiu claramente que pode se safar mantendo os preços do petróleo em alta e prejudicando a campanha dos Estados Unidos e da União Europeia para isolar a Rússia – e ainda garantir proteção e assistência militar americanas, porque Biden não consegue superar a política de décadas de apoio americano à Casa de Saud”, argumentou.

Vale lembrar que o Irã e o Talibã, tradicionais inimigos americanos, voltaram à cena recentemente, com o envio de drones este mês por parte de Teerã para a Rússia atacar a Ucrânia e a volta do grupo islâmico ao poder no Afeganistão no ano passado, respectivamente.

Além do Irã, outra parceria russa na região foi o apoio ao governo da Síria, decisivo para a virada do ditador Bashar al-Assad na guerra civil travada no país.

Fortalecimento ou não?

Apesar da preocupação americana quanto aos movimentos da Arábia Saudita e do Iraque este mês, alguns analistas não acreditam que eles representam necessariamente um fortalecimento dos inimigos do Ocidente no Oriente Médio.

Para Márcio Coimbra, coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FBMB), a redução na produção de petróleo é mais uma medida saudita com objetivos econômicos do que uma sinalização de apoio a Moscou.

“A Arábia Saudita sempre pensa só em si mesma antes de qualquer aliança internacional, e qualquer aliança saudita passa antes pela Casa Branca do que pelo Kremlin. Acho muito difícil o reino passar para o lado da Rússia”, argumentou, lembrando a parceria Washington-Riad.

“A embaixada da Arábia Saudita em Washington não fica na região das embaixadas, fica perto do Kennedy Center, mais perto da Casa Branca, é um simbolismo enorme. Os movimentos na Opep+ são a favor da própria Arábia Saudita, não levando a um balanço de poder que possa oscilar para o lado russo”, destacou o especialista.

Quanto ao Iraque, Coimbra afirmou que é necessário esperar a formação do novo governo, mas ele não acredita num alinhamento radical com o Irã – que, destacou, tem linha xiita diferente da iraquiana.

“Precisamos ver como esse governo será formado, porque dentro de um governo parlamentarista, é preciso haver uma coalizão, o que exige diálogo. Raramente há um governo radical nesse sistema, a não ser que tenha uma maioria absoluta no Parlamento. Como no Iraque há uma confluência de diversas origens [curdos, xiitas e sunitas], diversos partidos e diferentes leituras do islã, sempre é necessário ter governos de diálogo. Então, acredito mais nisso do que num governo de enfrentamento”, justificou Coimbra.

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