Vigilia homenageia jornalistas mortos durante ataque terrorista que aconteceu em abril, em Cabul| Foto: BANARAS KHAN/AFP

O soldado especialista Gabriel D. Conde, 22, era uma criança quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão. Na semana passada, ele se tornou a última morte norte-americana nos conflitos do país asiático. Segundo oficiais do Pentágono, Conde foi atingido por fogo inimigo enquanto participava de uma ação de contraterrorismo na região leste de Cabul. Ele se tornou o segundo norte-americano morto em serviço no Afeganistão neste ano. Mais de 2,4 mil norte-americanos morreram ao longo da guerra, assim como dezenas de milhares de civis afegãos. 

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A insegurança crônica no Afeganistão e a inabilidade das lideranças políticas do país e seus apoiadores internacionais estiveram em evidência nos últimos 10 dias. Enquanto Conde estava em sua mal-sucedida missão, explosões simultâneas em Cabul mataram 31 pessoas, incluindo dez jornalistas. Uma semana antes, um terrorista suicida detonou seus explosivos em um centro de registro de eleitores na cidade, matando, ao menos, 57 pessoas, e aumentando a ansiedade sobre a viabilidade das eleições próximas. Isto aconteceu em um ano em que os ataques suicidas dobraram e os ataques sectários triplicaram no Afeganistão. 

A semana passada foi marcada pelos sete anos da ação das tropas norte-americanas que resultou na morte de Osama bin Laden, o líder terrorista da Al-Qaeda, cujos ataques provocaram a intervenção contra o Talibã. Apesar das mortes, do dinheiro gasto e das bombas jogadas, Washington não encontra uma alternativa para por um fim à intervenção. Apesar de o presidente Donald Trump se ressentir com a falta de recursos que a guerra representa, seu governo enviou mais de 15 mil militares ao país na tentativa de ajudar o governo afegão. 

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Pouco sinal de progresso

Há pouco sinal de progresso. Um novo relatório do Pentágono mostrou que as forças militares e policiais do Afeganistão – para as quais as tropas americanas estão fornecendo treinamento – estão diminuindo. O documento detalha que bilhões de dólares em ajuda americana foram desperdiçados, a corrupção é generalizada, desenfreada e se espalha pelo país. 

“Apenas alguém muito otimista pode acreditar que o novo plano está funcionando”, diz Michael Kugelman, especialista em Afeganistão e Paquistão do Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson em Washington. “Há poucas indicações de que a missão de treinamento e as lutas no campo de batalha estejam surtindo efeito. Enquanto o Talibã acreditar que está ganhando, é improvável que eles concordem com negociações de paz, não importando o quão generosa seja a oferta. E, vamos ser claros, o Talibã acredita, e muito, que está ganhando”. 

Leia mais: Os EUA não podem ganhar a guerra do Afeganistão por não saberem por que estão lá

Esta é uma conclusão infeliz na melhor das hipóteses. Sob o presidente Trump, que tem pouco interesse na diplomacia tradicional necessária para estabilizar o país, a situação parece piorar. Analistas argumentam que é necessário exercer mais pressão sobre as potências regionais, como o Paquistão, cuja agência militar de espionagem incentiva a militância ao longo da fronteira com o Afeganistão. 

“O caminho mais racional”, diz Steve Coll, um cronista veterano das guerras do Sul da Ásia, “é aquela para a qual o presidente americano está pouco preparado: trabalhar próximo a aliados, priorizar a diplomacia de alto nível, ser inteligente em pressionar os serviços paquistaneses de inteligência e aceitar que, no Afeganistão, o ponto de partida para qualquer política internacional é a humildade”. 

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Ataques punitivos

Mas Trump e seus aliados estão mais inclinados a se gabar no palco internacional do que atuar de uma forma mais humilde. O presidente americano tem movido mais esforços para mostrar o hard power americano e sua habilidade em lançar ataques punitivos de mísseis, contra alvos inimigos, não importando se são redutos de militantes no Afeganistão ou bases aéreas na Síria. 

Sob sua liderança, as forças da coalização lançaram uma campanha aérea implacável contra o Estado Islâmico, pulverizando as cidades de Mosul, no Iraque, e Raqqa, na Síria. Meses depois, voluntários ainda desenterram corpos dos escombros e grupos de direitos humanos apontam que o número de mortos pode chegar a centenas, talvez milhares de pessoas. Apesar de o governo americano ter declarado o fim das operações de combate no Iraque, mais uma vez, a batalha para conseguir a paz deve ser a luta mais dura. 

No Congresso, a belicosidade de Trump acelerou um esforço bipartidário para reduzir os poderes de guerra do presidente. Os críticos da legislação proposta advertem que este é um esforço equivocado que pode, na realidade, dar mais liberdade para Trump entrar em novos conflitos. “Isto autorizaria o uso de forças militares contra os grupos com os quais os Estados Unidos estão atualmente lutando. Mas isto não limitaria o conflito a estes grupos ou países”, diz Elizabeth Goltein, do Brennan Center for Justice da Escola de Direito da Universidade de Nova York. 

“Entretanto, o presidente pode adicionar novos grupos que ele acredita estarem associados aos que estão sob combate”, diz ela. E, apesar de a legislação não autorizar o presidente a incluir países à lista, ela pode ser driblada facilmente, ao possibilitar que ataques sejam realizados contra países a partir dos quais os terroristas operam. 

População atingida 

Contudo, a população afegã continua a viver e morrer nas sombras de uma guerra americana sem fim. “Eu vi os ataques de 11 de setembro na BBC, não imaginando por um segundo que houvesse possíveis repercussões para o Afeganistão”, postou, em 2016 em um blog, Shah Marai, fotógrafo-chefe da Agence France Presse (AFP) em Cabul. A esperança que ele nutria por seu pais após a queda do governo da Talibã desapareceu diante de uma insurreição brutal que se alimentou da ocupação americana e do mau governo local. 

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“A vida parecia ser mais difícil do que durante o governo Talibã, devido à insegurança. Eu não tinha coragem para sair para caminhar com meus filhos”, escreveu Marai. “Toda manhã, quando ia para o escritório e toda tarde, quando voltava para casa, o que pensava era em carros que poderiam ficar presos em armadilhas ou de homens-bomba saindo de uma multidão. Eu nunca senti a vida ter tão pequenas perspectivas e eu não vejo uma saída”.

No dia que Conde, o jovem soldado americano morreu, Marai foi um dos jornalistas mortos por um homem-bomba.