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Rua de Guantánamo: cavalos são a principal forma de transporte | Andrea Bruce/The New York Times
Rua de Guantánamo: cavalos são a principal forma de transporte| Foto: Andrea Bruce/The New York Times
  • Um agricultor após uma longa semana de trabalho em Holguín
  • Garoto joga beisebol numa rua de Santiago de Cuba; atualmente, fala-se mais de dinheiro

Os sinais dos tempos são eloquentes em Cuba, às vezes por seu silêncio.

Uma viagem de 17 horas pelo coração da ilha, num Ford Fairlane vinho e cinza, ano 1956, incluiu longos trechos em que havia surpreendentemente pouca ideologia à vista, poucos dos outdoors que outrora alardeavam slogans revolucionários.

Os que permaneciam eram mais comedidos na cadência nostálgica do "socialismo ou morte", adotando em vez disso o tom ansioso dos livros de autoajuda e das bíblias de gestão empresarial.

"Qualidade é respeito pelo povo", dizia um deles.

Outro simplesmente recomendava: "Trabalhe duro!" —uma noção isenta do imperativo ideológico que costumava completar o pensamento com frases como "para derrotar o imperialismo" ou "para construir o socialismo".

Enviado a Cuba em dezembro, após o inesperado anúncio do presidente Barack Obama de que ele iria retomar relações diplomáticas com a ilha, parti numa viagem rodoviária de Havana, perto do extremo oeste da ilha, até Guantánamo, no extremo leste.

Meu mapa dizia que a distância seria de 909 quilômetros. Pareceu muito mais longe do que isso sobre o assento de vinil acolchoado do Ford, que já havia perdido muitas das suas molas desde que Fidel Castro chegou ao poder.

O Ford "vintage" não fazia parte do plano original. Eu estava procurando um motorista, de preferência alguém com um carro novo. Quando Julio César López apareceu com seu Fordão no meu hotel, o Habana Libre, eu quase o dispensei de cara. Mas ele disse que havia trocado o motor recentemente, e que o carro já havia atravessado a ilha várias vezes. Ele prometeu inclusive substituir o pneu dianteiro direito, que estava careca, e trocar o óleo.

Negócio fechado.

Ao longo do caminho, uma Cuba em lenta mutação se revelou, às vezes pelo que estava lá, e às vezes pelo que não estava.

Mais sinais dos tempos: "Esta casa está à venda." Esse conceito legalmente não existia antes de 2011, quando a venda de imóveis foi autorizada pela primeira vez, como parte de mudanças destinadas a injetar um pouco de vida capitalista na alquebrada economia socialista do país. Agora, as placas de "vende-se" são comuns.

Ainda mais comuns são as placas de centenas de pequenos restaurantes particulares, chamados paladares, os quais em grande parte operavam clandestinamente até 2010, quando o governo permitiu que alguns cubanos empreendessem.

Havia também sinais desanimadores: Não existia cobertura de celular nas áreas entre cidades, indicação de como a rede de telecomunicações em Cuba é atrasada.

Havia uma quase ausência de caminhões transportando mercadorias ou produtos agrícolas, um sinal de uma economia que mal se movimenta. Todo o resto havia de monte: bicicletas, carros de bois, tratores, motos e carroças de todo tipo (charretes de duas rodas, carruagens para até dez passageiros e carroças que funcionam como táxis).

E havia muitos carros quebrados, o que é de se esperar quando um elevado percentual dos veículos que trafegam na estrada foi fabricado antes de John F. Kennedy ser eleito presidente dos EUA, em 1960. Uma hora depois de sair de Havana, um homem sem camisa se inclinava sobre o capô aberto de um Lada cinza, sem ter se dado ao trabalho de tirá-lo da pista. Perto de uma cidade chamada Torriente, um casal se beijava apaixonadamente ao lado de um Chevy vermelho avariado. Nos arredores de Santiago de Cuba, uma mulher com expressão preocupada, rodeada por um bando de crianças, estava sentada num imóvel Buick laranja-queimado.

Eu jamais vi um guincho.

Cuba é uma ilha bonita, verde e fértil, um poema de cor vibrante e luz sensual:

Um entardecer escarlate sangra o céu Caribe, com um roxo machucado nas bordas.

No calor do dia, uma mulher de camisa rosa-choque anda debaixo de uma sombrinha vermelha.

Um velho de calça boca de sino senta numa cerca.

A cana-de-açúcar cresce, verde clara, na terra vermelha.

Viajamos de janela aberta. O motorzão roncava. López guiava cuidadosamente nos trechos esburacados. O Ford estava cheio de guizos e franjas. Era um carro bonito, velho e cansado.

Cuba é tudo isso.

Um jornalista cubano mencionou o quanto o país mudou desde que Fidel Castro se afastou do poder, em 2006, e seu irmão Raúl se tornou presidente, dois anos depois, dando início a reformas econômicas graduais. Cinco anos atrás, disse ele, as pessoas falavam sobre política. Agora, falam sobre dinheiro e negócios.

O salário médio em 2013 era de aproximadamente US$ 20 por mês, segundo o governo. As pessoas me contaram que isso pode facilmente ser consumido pelas contas de celular, luz e outros serviços básicos, ainda que os gastos com educação e saúde sejam todos cobertos pelo governo.

A diferença entre o que as pessoas ganham e o que as coisas custam foi um assunto constante de conversas. Muitos dependem do dinheiro enviado por parentes no exterior. Outros estão numa luta constante para sobreviver, comprando ou vendendo produtos no mercado negro, abrindo uma empresa ou servindo mesas.

Yasmani Bérbes, 27, deixou um emprego de professor de educação física para cuidar de um restaurante na casa da sua família, na localidade de Contramaestre. Como professor, ganhava 500 pesos por mês, ou cerca de US$ 21.

"Aqui, há dias em que eu consigo ganhar 500 pesos", disse.

López, que tem mais ou menos metade da idade do seu Ford, é um motorista zeloso —seu carro é seu meio de subsistência. "Se eu pudesse escolher, escolheria um carro moderno", disse. "Com um carro moderno, o que estamos fazendo em 12 horas poderíamos fazer em nove." Ele estava sendo otimista, pois a viagem durou 17 horas ao longo de dois dias, embora incluindo desvios e refeições.

Mas ele disse que ter um carro, qualquer que seja, é uma bênção, porque lhe garante um ganha-pão. Eu contei a ele que muitas pessoas no exterior veem nesses carros antigos, como o dele, um símbolo pitoresco da Cuba revolucionária. Perguntei o que o carro simbolizava para ele.

"Dinheiro", foi a resposta.

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