Em discurso para apoiadores de Alberto Fernández, Lula elogiou situação econômica do país. Inflação oficial na Argentina chegou a 94,8% no ano passado.| Foto: Alberto Fernández PR/Twitter
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro de líderes na Argentina, elogiou a economia do país. Ele alegou que os argentinos terminaram 2022 em “situação privilegiada não apenas na economia, na política, mas no futebol”. Quanto ao esporte, o político pode ter razão, mas quanto à economia, a declaração pode ter tanto de falsidade quanto a Argentina tem de inflação: a acumulada em um ano é de 95%.

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O país também enfrenta problemas nas áreas do emprego, baixo crescimento, fuga de cidadãos, até mesmo o consumo de sua famosa carne — item mencionado em discurso do presidente Alberto Fernández, e imitado por Lula em campanha na promessa de “picanha” para a população. Apesar do título da Copa do Mundo, houve até mesmo uma crise das figurinhas de álbum do evento.

Devido a todas as dificuldades econômicas, os argentinos que deixam seu próprio país conseguiram bater a taxa de venezuelanos que escapam da ditadura de Nicolás Maduro, segundo os dados da Espanha para 2021: os imigrantes ao país europeu foram 28 mil venezuelanos, comparados a mais de 31 mil argentinos naquele ano.

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Inflação

O último número da inflação em um ano fornecido pelo INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina), referente até dezembro de 2022, é de 94,8%. Só naquele mês, foi de 5,1%. Isso significa que os produtos e serviços quase dobraram de preço no país durante o ano passado e que, em apenas um mês, os argentinos chegaram perto da inflação no Brasil para um ano inteiro, que foi de 5,79%, de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Em julho do ano passado, a taxa argentina foi maior que a anual do Brasil: 7,4%.

Os quase 95% representam um recorde não visto por lá em 30 anos e uma piora em relação a 2021, ano em que a inflação foi de 50,9%. Considerando setores específicos, 2022 viu uma inflação de 122,4% em vestuário e calçados e 106,3% em restaurantes e hotéis argentinos. A projeção do governo Alberto Fernández, que está terminando, é de 60% este ano. Seu ministro da economia, Sergio Massa, tem uma meta mensal de 3% a partir de abril.

Como dito, até as figurinhas da Copa enfrentaram crise. Antes do evento começar, por causa do ambiente inflacionário, houve uma escassez de álbuns e figurinhas, o que seria natural, devido à esperança concretizada do ganho da taça estimular maior demanda, além de ter sido a última chance de ver o talentoso jogador Lionel Messi em ação. Mas o ambiente levou os fornecedores e donos de bancas a desrespeitar preços sugeridos para não levar prejuízo.

Durante a pandemia, a Argentina chegou a cometer um dos erros mais comuns em milênios de história da inflação: o congelamento de preços. No ano 301, o imperador romano Diocleciano sancionou o Édito dos Preços Máximos, que criou tetos de preços para 900 produtos e 150 serviços. O preâmbulo do édito moraliza o lucro, mencionando “a avareza daqueles que sempre querem transformar em lucro próprio até as bênçãos dos deuses”. O resultado foi escassez desastrosa desses produtos e serviços.

Pedido de socorro ao FMI

Ter pagado a dívida do Brasil com o FMI (Fundo Monetário Internacional) sempre foi um dos pontos de orgulho de Lula e do PT para seus governos anteriores. Portanto, a fala do presidente, ao elogiar a situação da economia argentina este ano, está em conflito com essa história e com o fato de a Argentina ter contraído com o órgão um empréstimo de US$ 6 bilhões (quase R$ 31 bilhões) no mês passado. O país já tinha revisado três vezes seu pacto com o FMI para receber um montante de US$ 44 bilhões (R$ 226,1 bilhões) contemplados no acordo de refinanciamento de sua dívida.

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Em julho, quando a inflação do país ultrapassou 7%, o FMI chegou a fazer uma advertência e chamou a situação de “muito preocupante”.

Desemprego e contração da economia

O INDEC informou no mês passado que a taxa de desemprego na Argentina bateu 7,1%, em crescimento em comparação a períodos anteriores como a taxa informada no fim de 2021, de 7%. Houve um pequeno período de queda na desocupação no quarto trimestre daquele ano, mas foi estimulada por informalidade, salários mais baixos e ausência de seguridade social. Entre quase 13 milhões de argentinos empregados no terceiro trimestre de 2022, 27,5% não eram assalariados e, desses, uma grande maioria de 85% trabalhavam por conta própria.

O mesmo órgão argentino calculou que a economia Argentina contraiu 0,3% em setembro de 2022. Apesar dos pesares, o crescimento econômico acumulado nos primeiros nove meses do ano foi de 6,2%, seguindo um bom resultado de 10,26% em 2021 — após quedas anteriores de 9,9% em 2020, 2% em 2019 e 2,6% em 2017. Nos dados do Banco Mundial, a história do PIB do país nas últimas décadas é uma história de altos e baixos, uma montanha russa de crescimentos e contrações.

Nem picanha foi poupada

Assim como a picanha de Lula em debate presidencial, Alberto Fernández prometeu churrasco para seus cidadãos, em 2019. Três anos depois, a promessa do peronista fracassou retumbantemente. A Bolsa de Comércio de Rosário (BCR) informou que o consumo de carne bovina no país foi o menor desde 1920. O principal culpado, mais uma vez, é a inflação. Os cidadãos recorreram a outras proteínas, como a de frango e a carne suína, ambas com crescimentos substanciais, de 27% e 41%, respectivamente, nas duas décadas após o ano 2000. Desde o início da gestão de Fernández, o churrasco aumentou em preço mais de 200%. Apesar disso, a Argentina permanece um dos países que mais consomem carne bovina, acima de Brasil e Estados Unidos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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