Para Freud, o sonho oferecia um playground para a mente inconsciente; para Jung, era um estágio no qual os arquétipos da psique interpretavam temas primários. Mas... e se o propósito principal dos sonhos não for nem um pouco psicológico? Em um artigo publicado no jornal Nature Reviews Neuroscience, J. Allan Hobson, psiquiatra e experiente pesquisador do sono de Harvard argumenta que a principal função do sono REM (do inglês, rapid eye movement), quando ocorre a maioria dos sonhos, é fisiológica: o cérebro está aquecendo seus circuitos, antecipando as visões, sons e emoções do dia seguinte.
A partir de ideias próprias e de outros, Hobson argumenta que o sonho é um estado paralelo de consciência que opera continuamente, mas é normalmente suprimido durante o despertar.
O artigo já gerou controvérsias e discussões entre freudianos, terapeutas e outros pesquisadores, incluindo neurocientistas. Dr. Rodolfo Llinas, neurologista e psicólogo da New York University, afirmou que o raciocínio de Hobson era impressionante, mas não a única interpretação fisiológica dos sonhos. "Defendo que o sonho não é um estado paralelo, mas a própria consciência, na ausência do que entra pelos sentidos", disse Llinas. Quando as pessoas estão acordadas, explica ele, o cérebro basicamente revisa suas imagens de sonhos para que se encaixem com o que vê, ouve e sente os sonhos são "corrigidos" pelos sentidos. Essas novas ideias sobre os sonhos são, em parte, baseadas em descobertas primárias sobre o sono REM.
Estudos sugerem que o REM aparece muito cedo na vida no terceiro trimestre para humanos, bem antes que uma criança em desenvolvimento tenha experiência ou imagens para preencher um sonho. Em estudos, cientistas descobriram evidências de que a atividade REM ajuda o cérebro a construir conexões neurais, particularmente em suas áreas visuais. O feto em desenvolvimento pode "ver" algo, em termos de atividade cerebral, muito antes de os olhos se abrirem pela primeira vez.
Os sonhos completos, no sentido usual da palavra, vêm muito depois. Seu conteúdo, de acordo com esse raciocínio, é um tipo de teste grosseiro para o que o dia seguinte pode trazer. Nada disso afirma que os sonhos sejam vazios de significado. Quem se lembra de um sonho vívido sabe que, às vezes, as cenas noturnas estranhas refletem desejos e ansiedades reais: o jovem professor que se vê nu no púlpito; a mãe recentemente diante de um berço vazio, histérica por sua perda imaginária. Mas pesquisas sugerem que apenas 20% dos sonhos contêm pessoas ou lugares que o sonhador encontrou. A maioria das imagens parecem ser únicas para um sonho só. Cientistas sabem disso porque algumas pessoas possuem a habilidade de observar seus próprios sonhos como espectadores, sem acordar. Esse estado de consciência, chamado de sonho lúcido, é, por si só, um mistério e importante para místicos. No entanto, é um fenômeno real, no qual Hobson encontra forte respaldo para seu argumento defendendo os sonhos como um aquecimento fisiológico antes do despertar. Em dezenas de estudos, pesquisadores trouxeram pessoas para o laboratório e as treinaram para sonhar lucidamente. Eles o fazem com uma variedade de técnicas, incluindo autossugestão quando as pessoas deitam a cabeça no travesseiro ("Eu vou ficar consciente no sonho; vou observar") e o ensino de sinais indicadores de sonho (os interruptores não funcionam; levitar é possível; muitas vezes não conseguimos gritar). O sonho lúcido ocorre durante um estado híbrido de consciência, afirmam pesquisadores do sono uma dose pesada de REM com uma pitada de consciência desperta.
Em um estudo publicado em setembro no jornal Sleep, Ursula Voss, da J.W. Goethe-University, em Frankfurt, liderou uma equipe para analisar ondas cerebrais durante o sono REM, o despertar e o sonho lúcido. Descobriram que o sonho lúcido tinha elementos de REM e do despertar mais notavelmente nas áreas frontais do cérebro, que se acalmam durante os sonhos normais. Hobson foi coautor do artigo.
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