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Uma terapia experimental conduzida no Brasil, feita com transplante de células-tronco em pacientes portadores de esclerose múltipla que não respondiam mais ao tratamento convencional, estabilizou a doença em 70% dos pacientes analisados. Os pesquisadores acompanharam a evolução do transplante em 41 pessoas doentes -- alguns por até sete anos. Nos outros 30%, a doença continuou progredindo -- três morreram.

A esclerose múltipla é um dos problemas mais comuns do sistema nervoso central que atinge os adultos jovens. É uma doença auto-imune (quando o organismo por uma razão não definida passa a produzir anticorpos contra ele mesmo) que provoca uma degeneração nervosa e interfere na transmissão dos impulsos nervosos.

Ainda não existe cura para a doença, que atinge cerca de 2 milhões de pessoas no mundo todo. Atualmente, os pacientes são tratados com drogas que reduzem a inflamação provocada no sistema nervoso. Os medicamentos, de alto custo, precisam ser tomados pelo resto da vida para evitar novos surtos e remissões.

O estudo, aprovado pelo Comitê de Ética dos hospitais envolvidos e do Ministério da Saúde, começou em 1999 e terminou em 2006 e foi realizado pelo médico Nelson Hamerschlak, do Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o médico Júlio Voltarelli, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Participaram da pesquisa 41 pacientes com média de 42 anos, sendo 58% mulheres e 42% homens.

Transplante de células-tronco

Além de não responderem a mais nenhum tipo de tratamento convencional, os pacientes selecionados para fazer parte da terapia experimental tinham diagnóstico comprovado da doença há mais de um ano e apresentavam índice de incapacidade moderado (precisavam de ajuda de andador para caminhar 20 metros).

Esses pacientes foram submetidos ao transplante autólogo de células-tronco (eles mesmos eram os doadores) e depois foram acompanhados principalmente nos dois hospitais. Segundo Hamerschlak, 80% deles tinham a forma secundária progressiva da doença -- considerada a mais comum.

Foram utilizados dois regimes diferentes de preparação com quimioterapia. Isso se deu em função do índice de mortalidade inicial que, apesar de pequeno, poderia ser minimizado. Para simplificar a explicação, usaremos o termo "A" e "B". Em 21 pacientes foi usado o esquema de quimioterapia "A" e 20 pessoas usaram o esquema "B".

Duas etapas

Segundo Hamerschlak, o transplante de células-tronco é feito em duas etapas e funciona como um "reset" de computador: "É como se o paciente desligasse o sistema imunológico e depois o ligasse novamente, sem nenhuma memória anterior", disse.

Os pacientes tomam medicamentos capazes de fazer as células-tronco da medula óssea migrarem para o sangue periférico e em seguida o sangue é coletado normalmente, como num exame normal. Um procedimento chamado aférese separa as células-tronco dos glóbulos brancos e o material é congelado.

Depois, o paciente é submetido a uma forte dose de quimioterapia para que ocorra uma imunossupressão do organismo. Em seguida, o sangue rico com células-tronco é reinjetado no paciente e o sistema imunológico volta a funcionar como se nada tivesse acontecido anteriormente. Resultados

Como essa terapia ainda não é utilizada como rotina nos portadores de esclerose múltipla que não respondem a mais nada, os resultados do transplante surpreenderam os pesquisadores: 70% dos pacientes (29 pessoas) melhoraram ou ficaram com a doença estável, sem necessidade de manter qualquer tipo de medicação e 30% não melhoraram (12 pessoas) e continuaram com a doença progredindo. Entre elas, três morreram (7%). Nos pacientes que usaram a quimioterapia "B", o índice de mortalidade foi zero. Esse esquema passou a ser recomendado para todos os pacientes.

"É importante lembrar que as pessoas que passaram pelo transplante são pacientes que não respondiam a mais nada do tratamento convencional. Eles foram submetidos a um procedimento agressivo e sabiam que havia risco de morte", afirmou Hamerschlak. Segundo o especialista, outros estudos semelhantes já foram feitos na Europa e Estados Unidos, também com resultados positivos.

O próximo passo dos pesquisadores é fazer o mesmo estudo com pacientes que estão na fase inicial da doença, com diagnóstico precoce. "O protocolo de pesquisa já está aprovado e não tem nenhum paciente ainda. Um grupo vai se submeter ao transplante e outro aos remédios convencionais. Se o transplante se mostrar mais efetivo, deverá ser usado como tratamento tradicional em um prazo de três a cinco anos", disse Voltarelli.

"O que posso dizer é que o transplante de células-tronco agora já é uma possibilidade para os doentes que não respondem a mais nenhum tratamento. Mas o nosso objetivo é possibilitar que, num futuro próximo, essa seja a alternativa para as pessoas no início da doença", principalmente se ela se mostrar agressiva, disse Hamerschlak.

Para a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), os resultados do estudo são muito positivos. "Esse estudo é muito bem-vindo, pois quanto mais ferramentas nós tivermos para controlar a evolução da doença, melhor para os pacientes. Estabilizar a doença em 70% dos casos, mesmo sabendo que não tem cura, é muito positivo. Também ficamos contentes com o baixo número de óbitos", disse a neurologista Maria Cristina Brandão Giácomo, membro da Abem.

A doença

A esclerose múltipla provoca uma degeneração nervosa e interfere na transmissão dos impulsos nervosos. Para que ocorra a transmissão dos impulsos rapidamente, os nervos são protegidos e isolados por um complexo de camadas protéicas chamado de mielina. Nos pacientes com esclerose múltipla, os anticorpos produzidos pelo organismo atacam essa proteção do nervo e, com o tempo, destroem a bainha de mielina -- o que pode tornar o paciente incapaz de andar.

Segundo Hamerschlak, os anticorpos produzidos pelo paciente começam a atacar os nervos do cérebro e as regiões periféricas. "Isso vai causar uma inflamação grave, que vai causar distúrbios de visão, motores e sensitivos. Há pessoas que no estágio mais avançado da doença param de andar e não conseguem mais sair da cama, ficam inválidos", disse o médico.

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