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Clique aqui e veja a lista de desastres que já aconteceram em 2010 |
Clique aqui e veja a lista de desastres que já aconteceram em 2010| Foto:

Medo

Sensação de que o mundoestá piorando pode criar fobias

Todo leitor das histórias em quadrinhos do Asterix sabe que o chefe da aldeia de gauleses, Abracourcix, adorava uma batalha contra um pelotão de legionários romanos, mas possuía um medo irrefreável: o de que o céu caísse sobre sua cabeça.

O personagem criado pelos quadrinistas franceses René Goscinny e Albert Uderzo exemplifica uma fobia que entra em evidência quando uma grande tragédia desponta nos noticiá­rios. O receio de ser vítima de um desastre de grande porte, quando exagerado, pode atrapalhar as relações pessoais e contribuir para o desenvolvimento de neuroses como o transtorno obsessivo-compulsivo.

"O medo, em psicologia, é um comportamento muito difícil de se lidar", avalia a psicóloga Maria Otávia D’Almeida, coordenadora da Comissão de Psicologia Ambiental do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRF-PR). "O medo está presente por toda a nossa vida, e não há forma para contê-lo", diz.

Em períodos como o atual, em que ocorre uma quantidade de desastres acima do normal, existe a tendência de haver uma sensibilização excessiva em relação à catástrofe. "As pessoas podem relativizar a sua vida e se acharem sortudas por não terem sido também vítimas do desastre. São defesas ilógicas do comportamento humano, criadas para lidar com situações de trauma", explica Maria Otávia.

Além da compaixão, os grandes desastres ainda podem criar a necessidade de se procurar uma explicação unificada para a série de eventos adversos. "O principal recurso de defesa é a tentativa de encontrar um motivo para o que ocorreu, e ter a certeza de que o desastre é uma relação de causa e efeito que pode ser mudada. Pessoas podem buscar respostas na ciência, na religião, nas relações sociais ou políticas. Ao compreender o evento, se investem da certeza de que podem evitá-lo", analisa.

Para Maria Otávia, a orientação psicológica para estes casos deve ser feita individualmente: "Estamos muito preocupados com o aumento destes casos. Precisamos evitar também o desastre que representa a destruição das relações entre os indivíduos".

Se o mundo não fosse redondo, seria razoável supor que em 2010 a Terra está de cabeça para baixo. Desde o dia 1.º de janeiro, quando uma encosta desmoronou sobre um hotel em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), até a última sema­­na, quando um vulcão entrou em erupção e espalhou suas cinzas pela Europa, este tem sido um ano em que a natureza deu sinais claros de sua grandiosidade.

As imagens de carros, casas e até mesmo cidades inteiras reduzidas a entulho – acompanhadas por contagens de mortos – chocaram a humanidade por mostrar que a nossa segurança é suscetível à estabilidade do planeta.

Quando a Terra parece investir contra a espécie humana, a primeira reação é tentar descobrir o que está errado e consertar a situa­­ção. Especialistas se debruçam sobre a escala Richter, os índices pluviométricos e outros instrumentos que medem o risco de ocorrer um grande desastre.

Explicações para os fenômenos naturais são criadas por diversas áreas do conhecimento. Não apenas a ciência, mas também a religião, a moralidade e o misticismo tentam descobrir de quem é a mão que move as placas tectônicas e torce a chuva de dentro das nuvens.

Uma das tentativas mais exóticas de explicar a aparente desordem no mundo veio do líder religioso iraniano Hojatoleslam Ka­­zem Sedighi. Para ele, o sexo feminino é o responsável pelos terremotos que ocorreram neste ano. "Muitas mulheres que não se vestem de forma modesta levam os homens jovens ao mau caminho, corrompem a sua castidade e es­­palham o adultério pela sociedade. Isso, consequentemente, faz aumentar o número de terremotos", relacionou.

Segundo o geólogo Renato Eugênio de Lima, coordenador do Centro Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná (UFPR), não há evidência científica de que algum processo esteja modificando a estrutura do planeta Terra. "Fenômenos como os terremotos recentes e a erupção do vulcão na Islândia ocorrem naturalmente ao longo da história", lembra.

Entretanto Lima ressalta haver um aumento no número de fenômenos da natureza nos quais ocorrem mortes. "De fato, atualmente há mais vítimas dos fenômenos naturais. É importante diferenciar um processo natural perigoso de um desastre. Se as cinzas do vulcão islandês vão para a Europa e acabam derrubando um avião, isso é um desastre. Mas se o vento empurra a nuvem para o Ártico desértico, é apenas um fe­­nômeno perigoso".

Inimigo

Se o núcleo sísmico do planeta per­­­­manece intocado, a superfície foi modificada pela ação humana a ponto de causar mudanças no equilíbrio ambiental. Os estudos realizados pelo Painel Intergo­­ver­­namental sobre Mudanças Cli­­má­­ti­­cas (IPCC) revelam que, com o aquecimento global, mais áreas povoadas estão se tornando vulneráveis à ação da natureza.

A história do desenvolvimento tecnológico se baseia na tentativa de controlar a natureza e po­­tencializá-la para ser usada em favor da humanidade. O povoamento do planeta só foi possível graças à transformação dos materiais, que viraram ferramentas para o crescimento demográfico.

"A população mundial cresce em grande velocidade e se expande para novas áreas. Os recursos do planeta, limitados, são consumidos com mais voracidade. A soma dessas ações ocasiona mu­­danças no equilíbrio ambiental e um aumento no número de de­­sastres", explica o engenheiro florestal André Ferretti, coordenador de conservação da biodiversidade da Fundação O Boticário. "A partir de agora, a tendência é que os fenômenos climáticos aumentem de intensidade e, consequentemente, se amplie a quantidade de tragédias", sentencia.

Os milênios de evolução contínua deram a impressão de que a humanidade está assentada sobre a estabilidade eterna. Cientifi­­ca­­mente, trata-se de uma ilusão. O caos e a violência são o padrão do Universo. Explosão de estrelas, cho­­ques de planetas com órbitas coincidentes e galáxias em constante mutação são a paisagem do­­minante do universo "visto de ci­­ma". A ideia de que nosso planeta é seguro e quase permanente é cria­­­da, em grande medida, por causa da brevidade do período de vida, curtíssimo em escala quântica.

O que torna a questão ambiental importante é a possibilidade de a degradação reduzir a utilidade do planeta Terra dos atuais mi­­lhões de anos para apenas alguns séculos a mais. "O ser humano mo­­difica o meio que vai ocupar, po­­rém não há como termos o controle absoluto sobre a natureza. Em­­bora tristes, alguns desastres servem como um alerta de que é ne­­ces­­sá­­rio mudar a nossa relação com o meio ambiente", defende Ferretti.

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