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Crianças seguem em um trem da “Ukrzaliznytsia”, a companhia ferroviária estatal, em Dnipro (Ucrânia), no dia 07 de maio de 2022, fugindo das zonas de combate.
Crianças seguem em um trem da “Ukrzaliznytsia”, a companhia ferroviária estatal, em Dnipro (Ucrânia), no dia 07 de maio de 2022, fugindo das zonas de combate.| Foto: EFE/Orlando Barria

O Tribunal Penal Internacional (TPI) provocou uma forte reação internacional ao emitir, em 17 de março, um mandado de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, por supostos crimes de guerra. Poucos ficaram sabendo, no entanto, que Maria Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança no Gabinete de Putin, também está na mira do TPI. Os mandados se referem à suposta deportação forçada de crianças de áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia.

Segundo o The Wall Street Journal, este é “um movimento histórico que foca a atenção em dezenas de milhares de jovens vítimas de guerra. É a primeira vez que o líder de uma superpotência nuclear é chamado a prestar contas perante o tribunal”. O porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov afirmou que a ação do Tribunal Penal Internacional de “legalmente nula” e “ultrajante e inaceitável”.

O anúncio aconteceu dois dias depois da publicação de um relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia da ONU. Segundo o documento, há evidências da transferência ilegal de centenas de crianças ucranianas para a Rússia. A comissão afirmou que tanto os pais quanto as crianças enfrentaram muitos obstáculos para estabelecer contato, com o ônus recaindo principalmente sobre as crianças. O relatório conclui que as deportações forçadas “violam o direito humanitário internacional e constituem um crime de guerra”.

As alegações

Segundo um comunicado do TPI, o presidente russo Vladimir Putin é “supostamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia”. “Existem motivos razoáveis para acreditar que o Sr. Putin tem responsabilidade criminal individual” pelos supostos crimes, disse o tribunal, tanto diretamente, quanto por não exercer controle adequado sobre os subordinados que os cometeram “ou permitiram sua comissão, e que estavam sob seu efetivo autoridade e controle, de acordo com a responsabilidade superior”.

Já a comissária teria cometido os crimes de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa. As acusações podem levar a uma sentença de prisão perpétua. “Existem motivos razoáveis para acreditar que a Sra. Lvova-Belova tem responsabilidade criminal individual pelos crimes acima mencionados, por ter cometido os atos diretamente, em conjunto com outros e/ou através de outros”, afirmou o TPI em comunicado. Ainda segundo o tribunal, os crimes teriam sido cometidos em território ucraniano ocupado pela Rússia desde o início da invasão.

“Devemos garantir que os responsáveis por supostos crimes sejam responsabilizados e que as crianças sejam devolvidas às suas famílias e comunidades”, afirmou em comunicado o promotor do TPI Karim A. A. Khan.

“O impacto humano desses crimes também ficou claro durante minha visita mais recente à Ucrânia. Visitei uma das instituições de acolhimento de onde as crianças teriam sido retiradas, perto das atuais linhas de frente do conflito. Os relatos daqueles que cuidaram dessas crianças e seus temores sobre o que aconteceu com elas enfatizaram a necessidade urgente de ação”, afirmou Khan.

As evidências

Segundo o TPI, o conteúdo dos mandados vai permanecer secreto “para proteger vítimas e testemunhas e também para salvaguardar a investigação”. Mas como há uma continuidade dos supostos crimes e a publicação dos mandados “pode contribuir para a prevenção de novos crimes”, o tribunal afirmou que estava divulgando que os havia emitido.

Em 19 de março, a agência Reuters publicou fatos e números fornecidos pelas autoridades ucranianas, que ajudam a trazer uma dimensão melhor sobre o assunto:

  • Segundo entrevista com o procurador-geral da Ucrânia Andriy Kostin, realizada em 17 de março, estava sendo investigada a deportação de mais de 16 mil crianças de áreas ocupadas pela Rússia. "Mas o número real pode ser muito maior", afirmou Kostin.
  • A Ucrânia conseguiu recuperar 308 crianças até o momento, informaram autoridades à Reuters.
  • Daria Herasymchuk, Conselheira-Comissária do Presidente da Ucrânia para os Direitos e Reabilitação das Crianças, que falou à agência de notícias em 17 de março, contou que havia cinco principais maneiras que a Rússia utilizava para transferir ilegalmente para seu território crianças ucranianas: oferecendo às famílias das áreas ocupadas para levar as crianças a acampamentos infantis russos para passar as férias e não as devolvia dentro do prazo acordado; retirando crianças ucranianas de instituições de acolhimento em áreas ocupadas; separando as crianças de seus pais nos postos de controle de filtragem, locais onde cidadãos ucranianos das regiões ocupadas são verificados e processados antes de serem autorizados a entrar na Rússia; retirando os direitos parentais por meio de leis aplicadas em territórios ocupados; e ainda nos casos em que as crianças ficavam com outros adultos depois da morte dos pais, a Rússia as levava embora.

O que diz a comissária

A comissária Maria Lvova-Belova rejeitou nesta terça-feira (4) as alegações do Tribunal Penal Internacional de que ela fosse responsável pela deportação ilegal de crianças da Ucrânia, classificando-as como falsas.

Em entrevista coletiva, ela afirmou que sua comissão agiu por "motivos humanitários" para "proteger os interesses das crianças" em uma área onde a ação militar estava ocorrendo. Também disse que não moveu ninguém contra sua vontade ou a de seus pais ou responsáveis legais, afirmando que o consentimento sempre foi solicitado, a menos que eles estivessem faltando.

Lvova-Belova também afirmou que as crianças não foram entregues para adoção. Segundo ela, as crianças foram colocadas com tutores legais temporários em lares adotivos.

"No que diz respeito às acusações do TPI, não entendemos do que somos acusados. Dê-nos os fatos e investigaremos. Até agora, tudo parece uma farsa sem detalhes e incompreensível", disse Lvova-Belova.

Além disso, ela afirmou que o TPI não apresentou nenhum documento ao seu escritório e que a Ucrânia também não enviou nenhum pedido oficial sobre crianças supostamente separadas de seus pais.

Segundo reportagem da Associated Press publicada em 13 outubro de 2022, “a lei russa proíbe a adoção de crianças estrangeiras sem o consentimento do país de origem, o que a Ucrânia não concedeu. Mas em maio de 2022, o presidente Vladimir Putin assinou um decreto tornando mais fácil para a Rússia adotar e dar cidadania a crianças ucranianas sem cuidados parentais – e mais difícil para a Ucrânia e seus parentes consegui-las de volta”.

De acordo com a AP, a Rússia também preparou um registro de famílias russas adequadas para crianças ucranianas e as paga por cada criança que obtiver a cidadania. O valor pode chegar a ser de US$ 1.000 para pessoas com deficiência.

Segundo a reportagem da AP, a Rússia também organiza acampamentos de verão para órfãos ucranianos; oferece aulas de “educação patriótica” e até mantém um serviço telefônico para juntar famílias russas com crianças de Donbass.

Reação

Maria Lvova-Belova foi a oradora principal da Rússia em uma reunião informal do Conselho de Segurança da ONU nesta quarta-feira (5) convocada por Moscou. Em fala por vídeo, ela reiterou ser inocente.

Quando Lvova-Belova tomou a palavra, os representantes de Reino Unido, Estados Unidos, Albânia e Malta deixaram a sala.

“O fato de estarem convidando alguém indiciado pelo TPI fala por si”, disse o vice-embaixador do Reino Unido, James Kariuki. A Missão do Reino Unido acrescentou em um comunicado: “Se ela quiser prestar contas de suas ações, pode fazê-lo em Haia [Países Baixos]”, cidade onde o Tribunal Penal Internacional é sediado.

Segundo informou a agência Associated Press nesta quarta-feira, as chances de Putin e Lvova-Belova enfrentarem um julgamento são remotas, pois Moscou não reconhece a jurisdição do tribunal.

O Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, nos Países Baixos, é primeiro tribunal penal internacional permanente do mundo. Criado em 2002, seu objetivo é investigar e, quando justificado, julgar indivíduos acusados dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.

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