Trabalhadores norte-coreanos vendem as mercadorias de seu país em uma feira em Vladivostok, Rússia, celebrando o 70º aniversário da fundação da Coreia do Norte| Foto: Anton Troianovski/ The Washington Post

Vasily Kolchanov ainda aparece para o trabalho todas as manhãs, embora tenha pouco a fazer nos dias de hoje. Os Estados Unidos estabeleceram sanções contra ele no mês passado por alegações de ter ajudado a Coréia do Norte a comprar petróleo. "Devo atirar em mim mesmo? Ou, não, eu não deveria atirar em mim mesmo", se questiona Kolchanov, um agente portuário, resmungando por trás de seu bigode espesso, no porto de Nakhodka, no Extremo Oriente da Rússia. 

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 Um navio norte-coreano de carga refrigerada se aproximou. Kolchanov, de 72 anos, esperava que isso trouxesse algum trabalho para sua empresa, que fornece serviços a empresas de navegação. "Os coreanos são nossa última esperança para nos mantermos alimentados", disse ele em seu escritório, no térreo de um prédio de apartamentos da era soviética, onde lençóis e roupas de baixo pendem das varandas. 

 Sete fusos horários e a 9,3 mil quilômetros de Moscou ou a um vôo de 100 minutos de Pyongyang - a capital da Coreia do Norte -, Nakhodka, no extremo-oriente da Rússia está ligado à diplomacia que se desenrola na Península Coreana e em Washington. 

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 Uma abertura que pode ajudar

Um resultado que abre a Coréia do Norte a mais comércio e investimento poderia ser uma bênção para lugares como Nakhodka, a apenas 185 quilômetros da fronteira com a Coréia do Norte. A região é tão próxima que o solo balançou durante a explosão do teste nuclear realizada no passado pelo regime de Kim Jong-un. 

 Os laços da região com a Coréia têm raízes profundas e trágicas.  Antes da Segunda Guerra Mundial, cerca de 170 mil coreanos étnicos viviam no extremo-oriente russo. Stalin os via como uma responsabilidade porque o Japão ocupava a Coréia na época. Praticamente todos eles foram enviados para a Ásia Central.

 Agora, o turismo sul-coreano para o extremo-oriente russo está em alta, sendo comercializado como uma "escapada européia a duas horas de distância". Mais de 70 mil turistas sul-coreanos chegaram no primeiro semestre deste ano. A expectativa é dobrar o número de visitantes neste ano. 

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Funcionários norte-coreanos, por sua vez, vão em massa para o extremo oriente da Rússia para encontrar alternativas para impulsionar  o comércio, apesar das sanções. Em um festival, neste mês, para marcar o 70º aniversário da Coreia do Norte, jovens mulheres em trajes tradicionais vendiam doces, cosméticos e a versão norte-coreana do Viagra. 

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 "Por favor, compre alguma coisa!", disse Cha Jaegon, organizador da feira que voou de Pyongyang para a ocasião. Enquanto isso, os russos resmungam que as restrições internacionais contra o regime de Kim está afastando a mão-de-obra norte-coreana de baixo custo que tem sido a espinha dorsal do trabalho de construção em todo o extremo oriente russo. 

Fórum econômico

O Kremlin convidou tanto o líder da Coréia do Norte, Kim Jong Un, quanto o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, para participarem de um fórum econômico regional no início deste mês em Vladivostok, a maior cidade do extremo oriente russo. Ninguém apareceu. 

 Mas muitas das discussões no evento abordaram as propostas em curso na Península Coreana, coroadas recentemente por uma cúpula em Pyongyang entre Kim e Moon. Em uma sessão em Vladivostok, autoridades norte-coreanas e sul-coreanas ofereceram idéias de uma ligação ferroviária da Coréia do Sul com a Ferrovia Transiberiana, o que reduziria drasticamente o tempo de viagem dos produtos sul-coreanos para a Europa. 

 No início deste mês, o cais de Vladivostok pulsou com melodias marciais e acordes triunfantes. A comemoração do aniversário da República Popular Democrática da Coreia - o nome oficial da Coreia do Norte - estava em pleno apogeum com uma tela de vídeo gigante que venerava o líder Kim.  Os estandes estavam decorados com bandeiras russas e norte-coreanas. 

 Curiosos sul-coreanos visitaram a feira, alguns deles recebendo tutoriais pessoais da história norte-coreana porJong Song Ho, chefe da delegação norte-coreana, que usava um elegante terno azul, óculos de aviador e um pin vermelho com imagens dos líderes de seu país.

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 Mão de obra

Há milhares de norte-coreanos vivendo na Rússia perto da fronteira, incluindo famílias de diplomatas do consulado emVladivostok, funcionários dos restaurantes norte-coreanos de Vladivostok e trabalhadores contratados por empresas russas.  Mesmo assim, Li Almaz, um sul-coreano que dirige uma empresa de turismo em Vladivostok e viveu lá por cinco anos, disse que não tem amigos norte-coreanos. "Eles estão com medo", ele supôs. 

 As sanções frustram os líderes empresariais locais, mas alguns estão buscando maneiras de lucrar com a proximidade da região com a Coréia do Norte.  Valentin Pak, um político e empresário local, converteu um quarto de seu escritório em uma área de estoque para bens de consumo norte-coreanos não sujeitos às sanções e que ele espera vender para os russos. 

 Eles incluem itens tão simples quanto uma figura de quatro centímetros de altura de um porco vestido como um piloto norte-coreano. As orelhas são afixadas assimetricamente. A insígnia da luva vermelha estava impressa no papel e recortada com uma tesoura. O nariz é formado por dois pontos irregulares rabiscados com um marcador. “Vai custar cerca de US$ 3 dólares. É receita para eles", disse Pak, se referindo aos norte-coreanos. 

 Sanções americanas

Os Estados Unidos apontam que a Coréia do Norte usa o extremo oriente russo como um centro de comércio ilícito para contornar as sanções da ONU, que a Rússia aprovou no ano passado e que agora quer afrouxar. Em agosto, o Tesouro dos EUA sancionou duas companhias de navegação de Vladivostok por participarem da prática. E quer sancionar ainda mais.

 Uma semana depois, o Tesouro impôs sanções a Kolchanov e sua pequena agência de navegação, a Profinet. "Kolchanov esteve pessoalmente envolvido em negócios relacionados à Coreia do Norte e interagiu diretamente com representantes norte-coreanos na Rússia", disse uma declaração do Tesouro ao Washington Post. 

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Como agente de transporte marítimo, Kolchanov lida com as resmas da documentação necessária para que os navios entrem e saiam do porto, cobra taxas e resolve problemas de última hora a bordo.  Ele  admite que costuma fazer negócios com a Coréia do Norte, mas insiste que não fez nada ilegal. 

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Quando as sanções chegaram, Kolchanov disse que seis petroleiros norte-coreanos vazios que eram seus clientes estavam entrando ou já tinham atracado no porto de Vladivostok. Ele atendeu todos os seis, mas disse que todos saíram sem pegar nenhum óleo.

Kolchanov acredita que esses seis navios o colocaram em apuros com o Tesouro americano. Ele mencionou "pelo menos seis ocasiões diferentes" nas quais atendeu navios com bandeira da Coréia do Norte. Um funcionário do Tesouro se recusou a dar detalhes das sanções a Kolchanov, mas disse que o departamento tem autoridade para sancionar as pessoas "que operam nas indústrias de energia ou transporte na economia norte-coreana" desde 2016. 

 O empresário disse que continuará fazendo negócios legais com a Coréia do Norte porque seus outros clientes estrangeiros cortaram os laços. "Eles são nossos vizinhos, certo?" Kolchanov disse da Coreia do Norte. "Você precisa ser amigo de seus vizinhos."

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