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Pode-se dizer que, na onda democrática de 1989 na Europa, todos os países eram virtualmente como a Alemanha, uma nação homogênea, com exceção da Iugoslávia.

O mundo árabe é exatamente o oposto. Lá, virtualmente todos os países são como a Iugoslávia, exceto Egito, Tunísia e Marrocos.

Em outras palavras, na Europa, com a queda da mão de ferro do comunismo, os países grandes, homogêneos e com tradições de sociedade civil conseguiram, de forma relativamente rápida e estável, realizar a transição para um modelo auto-governável – com exceção da Iugoslávia, um país de múltiplas religiões e várias etnias que explodiu em milhares de pedaços.

No mundo árabe, todos os países se assemelham com a Iugoslávia: são um fervilhante caldeirão de múltiplas minorias étnicas, religiosas e tribais colocadas juntas por imposição das potências coloniais – com exceção de Egito, Tunísia e Marrocos, formados por maiorias homogêneas. Logo, quando se levanta a tampa deste caldeirão, não é a sociedade civil que sai livre com os vapores, mas sim a guerra civil causada pela pressão do cozimento.

É por este motivo que as revoluções árabes pela democracia, por ora pacíficas, provavelmente chegaram ao fim. Elas ocorreram em dois países onde mais tinham chances de acontecer porque toda suas sociedades se reuniram como uma família com o propósito de enxotar seu malvado "pai"- o ditador. Daqui para frente, temos que ter esperança de ver "evoluções árabes", caso contrário, só nos restará guerras civis árabes.

Os países mais promissores para uma evolução são Marrocos e Jordânia, onde temos respeitáveis reis que, se assim desejarem, podem realizar uma transição gradual para o sistema de monarquia constitucional.

A Síria, Líbia, Iêmen e o Bahrain, países profundamente marcados por divisões tribais, étnicas e religiosas, seriam ideais para uma evolução gradual para a democracia, mas talvez seja muito tarde para isto agora. O instinto inicial de seus líderes foi de destruir os manifestantes, e muito sangue foi derramado. Nesses países, existe atualmente tanta mágoa entre as comunidades religiosas e tribos – algumas delas se beneficiaram da ditadura enquanto outras foram destruídas por ela – que mesmo que a mão de ferro do autoritarismo seja levantada agora, os conflitos civis podem facilmente destruir as esperanças democráticas.

Existe algo que possa impedir isso? Sim, uma liderança extraordinária que insista em enterrar o passado e não ser enterrada por ele. O mundo árabe precisa desesperadamente de sua versão própria dos sul-africanos Nelson Mandela e F. W. de Klerk – gigantes de comunidades opostas que consigam superar o ódio entre sunitas e xiitas para forjar uma nova sociedade. O povo árabe nos surpreendeu com seu heroísmo. Agora, precisamos que alguns líderes árabes nos surpreendam com sua bravura e visão. E esses líderes andam em falta ultimamente.

Outra alternativa é de que uma força externa intervenha, como os EUA fizeram no Iraque, ou como a União Européia fez no Leste Europeu, para arbitrar a transição democrática entre as comunidades receosas nesses estados fragmentados. Todavia, não vejo ninguém se candidatando para isso.

Com exceção das opções acima, o que se tem é o que há: autocratas da Síria, Iêmen, Líbia e Bahrain, que atiram em seus rebeldes baseados na lógica tribal "governar ou morrer". Traduzindo: ou o meu grupo ou tribo está no poder ou estou morto. O principal ingrediente de uma democracia – um pluralismo real no qual as pessoas se sentem parte de um destino comum, agem como cidadãs e não acreditam que sua minoria precisa estar no poder para se sentirem seguras ou serem bem-sucedidas – está em falta nessas sociedades. Pode ser que tal ingrediente apareça, como aconteceu no Iraque, mas leva tempo.

Eu ainda acredito que este movimento pela democracia árabe era inevitável, necessário e construído sobre uma profunda e autêntica busca humana por liberdade, dignidade e justiça.

Tradução: Thiago Ferreira

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