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A compra de geladeiras e automóveis não pode servir de régua para o desenvolvimento no país. Os avanços passam sobretudo pela leitura e escolarização. Cego quem não quer ver

Uma parcela de brasileiros esclarecidos torce o nariz a cada vez que sai um novo índice de desenvolvimento ou algo assim. São números a granel, tabelas grandiloquentes, gráficos de encher os olhos. Quem quer que tenha se dado ao trabalho de colecionar o mar de matérias de jornais e revistas sobre a nova classe média – ou sobre a ascensão da classe C, como o fenômeno também é chamado – sabe do que se trata.

Beira a perplexidade. O Brasil que se move na pirâmide social é o Brasil que passou a comprar carros zero e eletrodomésticos, o Brasil que faz cirurgias plásticas e o que transfere seus filhos para escolas particulares de custos módicos. Também é o Brasil que compra pacotes de cruzeiros marítimos e que, com esforço, vai a Paris. Impossível não se alegrar com esses índices. São históricos. Uma cena bem ilustra o momento. Numa das muitas campanhas do governo, um homem, diante da casa própria, diz: "Cansei de repetir que meu pai não teve casa, meu avô não teve casa... Meus filhos vão ter outra história para contar..." A frase é música, admitamos.

Quanto aos que torcem o nariz, o motivo não parece ser o descontento com a felicidade alheia, mas com o alarido geral em torno do consumo, tornado sinônimo de avanço social. Podem não passar de uma miragem os carnês e cartões de crédito apontados como panaceia, o fim dos problemas iniciados no Brasil Colônia.

O país está cavando um buraco ao reafirmar o cidadão consumidor como medida de todas as coisas. Os compradores vindos das faixas médias baixas da população vêm, por tabela, de uma relação frágil com a escola. A conta para eles ainda é de menos, mesmo que estejam com as mãos cheias de sacolas. É enorme a probabilidade de esse grupo parar de comprar, mobilizado por percalços do mundo do trabalho, expert em achatar os níveis de escolaridade e em lançar o operariado em longas fases de perda de poder aquisitivo.

Em outras palavras, a revolução do consumo não vai se sustentar no médio prazo sem uma revolução no campo da cultura e do ensino. Essa é a tal da verdade inconveniente, pois a escola exige uma força-tarefa que ultrapassa o tempo disponível para um candidato fazer sua performance. O ensino e a cultura são reféns da política. Não dá para baixar impostos e conseguir resultados num campo marcado pelas negligências do Estado, como o ensino. Pode-se remediar? Claro, no Brasil sempre se pode. E se o remédio é esse, mal não faria ao governo fazer vingar índices que balizem o consumo de livros, o tempo de permanência na escola, a leitura de impressos.

Esses e outros itens, "da cesta básica tanto quanto", não movem a economia, dirão alguns. Do que se deve discordar, aos berros se for preciso. Mais uma vez o Brasil se orgulha de suas modernizações inconclusas, tal e qual em outras épocas da história, nas quais conheceu a riqueza dissociada da ciência e do conhecimento. A fortuna instantânea virou palha. Um dos sintomas de que o padrão está sendo repetido é a desconsideração, em meio a esse auê, do baixo desempenho de leitura, por exemplo. Invisível, o dado não coloca a pulga atrás da orelha de nenhum novo rico ou nova classe média. Continua achando desimportante, que enriquecer é vestir-se em grifes. Seu modelo de vida é aquele que compra, e não aquele que estuda. Até quando?

Mal não faria aos gestores públicos se debruçar sobre o assunto, com os olhos voltados para países como a Índia, por exemplo. Lá, saltar uns degraus na pirâmide é sinônimo também de estudar mais e de consumir mais produtos de leitura. Há 30 anos, estima-se que 70% dos indianos eram analfabetos. Hoje, são 37%. Um número bem superior ao Brasil, mas o que não impede de colocar as duas nações lado a lado: ambas experimentam uma reviravolta econômica, mas lá o capital cultural está incluído na conta, talvez por haver mais modelos intelectuais na classe média estabelecida. Estudar é se assemelhar a eles. Do que se pode suspeitar que os mais ricos e informados do Brasil não são bons espelhos para os que seguem atrás. É de se pensar.

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