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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse recentemente que o Brasil viveu os últimos 120 dias "subordinado a centenas e centenas de denúncias" e alertou que a população deve "ter cautela" para analisar os fatos. "Eu disse outro dia que as mentiras e verdades iam aparecer. O povo só precisa ter cautela, porque o denuncismo ficou solto por quatro, cinco meses". "O Brasil vive um momento em que as denúncias aparecem e não se concretizam. E não existe pedido de desculpa, reparação, retratação", sublinhou o presidente.

Em fina sintonia com as declarações de Lula, a Executiva Nacional do PT aprovou resolução na qual afirma que "jamais tomou conhecimento, jamais autorizou, jamais discutiu, jamais orientou o financiamento paralelo de campanhas". O contra-ataque foi uma reação do partido ao que o ex-secretário-geral Sílvio Pereira disse ao jornal Folha de S. Paulo. Em entrevista ao diário, o ex-dirigente, acusado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de participar do esquema de caixa 2 petista, afirmou que sua responsabilidade nesse caso "não é diferente da de nenhum outro dos 21 membros da Executiva Nacional". Segundo ele, todos os membros da Executiva sabiam da existência do caixa 2.

Como lembrou o jornalista Merval Pereira, colunista de O Globo, as mentiras seguidas de confissões públicas de acordos eleitorais azeitados a dinheiro; os pagamentos na boca do caixa do Banco Rural; o troca-troca de partidos estimulado a partir da Casa Civil, no que parecia uma estratégia política superior e revelou-se, ao final, uma simples compra de venda de consciências; os dólares na cueca e nas malas; o pagamento recebido em contas no exterior pelo publicitário oficial do governo, tudo o que caracterizava o esquema de poder montado, de repente, virou conto da carochinha. Foi tudo armação da imprensa e da oposição.

Esbofeteia-se a verdade numa escala sem precedentes. Em carta enviada à presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Lula já ensaiara o papel de paladino da luta contra a corrupção. "Todos os erros e desvios" devem ser "apurados e punidos, doa a quem doer", afirmou. Curiosamente, o presidente da República, em entrevista concedida a uma jornalista em Paris, considerou normal que as agremiações partidárias operassem com caixa 2, expediente condenado, com veemência, pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Quem, afinal, caro leitor, fala pelo governo: o presidente da República e a cúpula petista ou o ministro da Justiça?

O governante, com sua conduta pública e privada, educa ou deforma. O jornalista, com seu profissionalismo ético ou sua leviandade de ocasião, informa ou desinforma. O homem tende para a verdade. Como dizia alguém, a nossa inteligência – que é como uma faísca da inteligência divina – se alimenta da verdade. E quando esse alimento está corrompido pela mentira, experimentamos dentro de nós como que uma profunda repugnância, algo semelhante à rejeição de um corpo estranho. A falência da verdade é a principal causa da decadência de qualquer sociedade. E, em contrapartida, reerguer uma sociedade é reerguê-la primeiro eticamente, fazendo reinar nela o que há de mais essencial: o primado da verdade. Trata-se de missão essencial do governante e do jornalista.

Há em todos nós um instinto de autenticidade. A juventude, idealista e sincera, sabe confrontar o brilho do olhar limpo com a mirada opaca dos homens de palha. "O que acontecerá", escrevia Nietzsche, "quando cair a máscara?" Não ficará "mais do que um espantalho". A advertência do filósofo é de grande atualidade. Está dirigida a certos governantes que caminham de costas para a verdade.

Homens, instituições e falanges corporativas possuem o terrível poder de decapitar esperanças e de abortar projetos. Tristeza não tem fim. Felicidade sim. A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar; voa tão leve mas tem a vida breve. (...) A gente trabalha o ano inteiro para fazer a fantasia de Rei ou de Pirata ou de Jardineira, para tudo se acabar na quarta-feira. A nostálgica canção de Vinicius de Morais, símbolo maior da nossa poesia, não pode continuar forjando o futuro. É preciso superar a ética da omissão. A batalha da verdade e da liberdade se trava no cerne da sociedade civil: cobrando o fim da impunidade, apoiando o esforço de apuração da mídia, pressionando legitimamente as autoridades.

Paira no ar um fortíssimo cheiro de pizza. E os líderes cínicos, sem brilho nos olhos, estão rindo da sociedade brasileira. É preciso superar o esgar dos homens de palha e recuperar o sorriso generoso dos homens de bem. Eles existem. Felizmente.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.

difranco@ceu.org.br

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