No dia 23 de novembro passado, quarta-feira, aconteceu o impensável: o mercado foi duro com a nação mais poderosa da zona do euro, a Alemanha, e rejeitou a compra de títulos públicos emitidos pelo país. Tida como historicamente austera e prudente na gestão das contas públicas, a Alemanha não conseguiu vender todo o pacote de títulos públicos ofertados no mercado financeiro. No caso dos papéis com vencimento de dez anos, houve pouco interesse do mercado em comprá-los, o que provocou elevação substancial das taxas de juros, que saíram de 1,92% para 2,15% ao ano. Trata-se de um episódio inédito que nem o mais engenhoso especialista podia prever.

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O questionamento principal que emana dessa situação é se os países membros da União Europeia acabarão se tornando uma coisa só ou se é possível continuar tratando-os isoladamente, respeitando suas diferenças e entendendo que as crises de alguns não irão contaminar os demais. Outro ponto que contribuiu para a onda de preocupação está ligado ao fato de que todas as taxas de juros formadas pelos títulos públicos dos países do bloco têm como base as taxas de juros dos papéis emitidos pelo governo alemão. Se os juros pagos pela Alemanha se elevam, dissemina-se a crença de que, mais adiante, os demais países terão de pagar taxas mais altas.

O aspecto complicado de um cenário marcado por elevação das taxas de juros dos títulos emitidos pelos países da zona do euro é que um novo problema, de dimensões graves, passaria a assombrar a já combalida economia dos países membros do bloco. Esse novo problema estaria no aumento da massa de recursos destinados ao pagamento dos encargos financeiros da dívida pública de cada nação, o que aumentaria de forma dramática os déficits e o estoque das dívidas dos governos. As consequências de um cenário como esse seriam desastrosas, prenunciando aprofundamento da crise, com mais recessão e mais desemprego.

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Mas a pergunta que intriga a todos é: por que razão o mercado teme pelo agravamento da situação da poderosa Alemanha? Uma explicação possível está no complicado dilema colocado para o governo de Angela Merkel: ou a Alemanha aprova a autorização para o Banco Central Europeu assumir as dívidas dos países em crise (o que implica emissão de moeda, portanto, uma possível elevação da inflação), ou insiste em não permitir o uso do euro para cobrir rombos de países que administraram mal suas finanças públicas.

Até agora, a senhora Merkel tem se mostrado inflexível e tem acusado os governos, especialmente da Grécia, de manterem benefícios sociais incompatíveis com a economia nacional. Um exemplo disso seriam as regras de aposentadoria (na Grécia, é possível um funcionário público se aposentar com 50 anos de idade) e os generosos salários e benefícios pagos pelo governo.

A Alemanha tem uma terceira opção, que seria organizar e comandar a emissão de um título público representativo de todos os países da União Europeia, atuando como garantidora de última instância, responsável pelo pagamento em caso de calote de algum membro do bloco. Apesar de a economia alemã ser considerada saudável e o país ter um histórico de responsabilidade na administração do gasto público e no controle de sua dívida, a dificuldade do país em vender seus títulos de prazo longo foi um recado simples do mercado: a ausência de decisão e a demora na escolha de uma opção levam os mercados a ficar parados, à espera de uma decisão. Enquanto isso, não há demanda para papéis do governo.

Além da ausência de decisão sobre os rumos a serem escolhidos pela União Europeia, o nervosismo foi estimulado por informações não muito boas vindas da China. Embora já fosse esperado que a economia chinesa cresceria menos em 2011 e também, no próximo ano, os números divulgados recentemente sugerem que a desaceleração econômica da China pode ser bem maior do que o previsto, conforme consta em relatório de bancos de investimentos. Os efeitos de retração na China são muitos pesados em termos de redução da demanda mundial, em função do tamanho da economia daquele país.

Se não bastassem esses problemas, o presidente do Banco Central da Grécia declarou que o país caminha para uma saída desorganizada do euro, afirmando, em relatório da política monetária do banco, que "a presente conjuntura é o período mais crítico na história da Grécia desde o pós-guerra. O que está em questão é se o país deve continuar na área do euro no futuro", diz o relatório divulgado pela imprensa internacional.

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O mercado costuma punir o agravamento da incerteza, como ficou claro no desinteresse demonstrado pelos compradores de títulos públicos da Alemanha. Os líderes das nações participantes do bloco receberam um recado do mercado: o mundo não está disposto a esperar indefinidamente; ou eles agem ou os mercados seguirão punindo a letargia e a falta de decisão.