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A primeira ideia que nos vem no aniversário do Mercosul, celebrado ontem, é a imagem de dois patinhos na lagoa, número que anima as pedras cantadas nas quermesses paroquiais. Brasil e Argentina, a partir de 1985, passam a nadar na mesma lagoa, após tantos anos a olharem-se ao longe, com certo temor pelo desconhecido, até perceberem que, afinal, do outro lado da margem não havia patos selvagens e ariscos, prontos a atacar, mas apenas um pato solitário em busca de um parceiro. Os dois patinhos, pelas proezas que começaram a fazer juntos, agitaram tanto as águas da lagoa que surgiram outras aves. No dia 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, Paraguai e Uruguai são admitidos no bando.

E passaram-se 22 anos! Os quatro patos grasnando, nadando e voando juntos, com períodos de avanços, reflexões e crises, conseguiram até a proeza de atrair uma ave majestosa e imponente, símbolo nacional dos EUA e da Alemanha, para um concerto entre blocos regionais.

Recentemente, um pato migrou da região andina para a lagoa mercosulina, aproximando-se do bando. Os quatro patinhos ficaram apreensivos, não por ser aquele propriamente um patinho feio, mas um patinho revolucionário. Porém, com a convivência mais próxima, os patinhos até lhe acharam graça e permitiram o seu ingresso no bando, com exceção de um deles, que o rejeitava insistentemente.

Mas quis o destino que esse patinho relutante cometesse um ato que desagradou aos demais, sendo afastado do grupo temporariamente, até cumprir as regras estabelecidas pelos outros. Esse patinho, agora triste e inconformado com a punição, considerada injusta por uns e acertada por outros, avista ao longe os seus companheiros a conviver alegremente com o recém-chegado pato camarada.

Brevemente o patinho triste estará de volta à lagoa, após as resoluções da família paraguaia, em abril próximo, e tudo voltará como dantes. Teme-se, porém, a reação desse patinho ao defrontar-se com o novo membro do bando. Mas, pelos fatos recentes ocorridos na família venezuelana, respeitando a dor e o luto daquele patinho, tudo pode ser resolvido da melhor maneira, com um belo voo a cinco, nos céus do Cruzeiro do Sul.

É sabido que os patos são dotados de perfeito senso de direção e que gostam muito de viver em comunidade; portanto, com a nova etapa que se impõe ao bloco regional, é essencial manejar a bússola e redirecionar o bando para um porto seguro, longe das intempéries vindas do Hemisfério Norte, que possivelmente resvalariam na lagoa mercosulina.

Ainda poderíamos relacionar os 22 anos de Mercosul com o jogo do bicho: o tigre, poderoso, astuto e temido pelos outros animais, mas daí nos vêm à lembrança os tigres asiáticos, hoje tigres-de-bengala, em perigo de extinção.

Por isso, mais vale ficar com a imagem dos patos, que são dos poucos animais que andam, nadam e voam com idêntica perícia, que conseguem dormir com metade do cérebro e manter a outra em alerta e ainda dão um belo espectáculo quando voam na formação em V – não por acaso, mas para ajudarem-se uns aos outros, pois quando um pato bate as asas cria um vácuo para o pato seguinte; quando o pato líder se cansa, muda para trás na formação e, imediatamente, outro pato assume o lugar, indo para a ponta; os patos de trás grasnam para incentivar e encorajar os da frente a aumentar a velocidade.

Com cinco integrantes, a formação em V do Mercosul ficará certamente mais equilibrada, para rumar, com vontade, ânimo e solidariedade, na direção acertada, seguindo o exemplo perfeito da natureza, que se traduz no voo dos patos.

Elizabeth Accioly, advogada, é professora da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de Lisboa, do Centro de Excelência "Jean Monnet" da Faculdade de Direito de Lisboa e do curso de Mestrado da Unicuritiba.

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