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Memorial em homenagem a George Floyd no local em que ele morreu sob custódia da polícia em Minneapolis, nos EUA
Memorial em homenagem a George Floyd no local em que ele morreu sob custódia da polícia em Minneapolis, nos EUA| Foto: Kerem Yucel / AFP

Se o título deste artigo fosse “o odioso rendismo”, o leitor de hoje não compreenderia, da mesma forma que no início do século XX o título “odioso racismo” também não era compreendido. A prática racista já existia havia séculos, mas a palavra se consolidou a partir dos anos 1930.

Até hoje no Brasil segregamos em escolas diferentes as crianças conforme a renda familiar. As escolas de qualidade são negadas às crianças de baixa renda, e apesar dessa discriminação os dicionários não registram a palavra rendismo. Porque esse tratamento não é visto como discriminação mas como consequência de um conceito tolerado.

Felizmente, hoje nenhuma criança é impedida de estudar em uma escola por preconceito pela cor de sua pele. Apesar de que, no Brasil, o rendismo é um braço do racismo, porque nossa pobreza tem pele negra.

Foi o ator Will Smith quem disse que “o racismo não aumentou, ele foi fotografado e divulgado”, mostrando policial branco asfixiando homem negro que desesperado sussurrava: “eu não consigo respirar”. O vídeo mostrou a cara da perversão do racismo. Mas o rendismo escolar não tem seu filme para mostrar a tragédia, e educação de qualidade não é vista como oxigênio intelectual necessário para a sobrevivência plena neste século do conhecimento.

A população sabe que das 50 milhões de crianças brasileiras em idade escolar, pelo menos 40 milhões estão fora de escola com qualidade. Mas não percebe que crianças fora da escola de qualidade sofrem por falta do oxigênio intelectual: não saberá ler, orientar-se, ter emprego, produzir e participar da riqueza que o mundo moderno produz. Não percebe que essa asfixia educacional atinge não somente a criança, mas o país inteiro que perde em produtividade, inovação, participação e consciência plena.

Tampouco compreende que estamos alimentando o racismo. O racismo nasce no atavismo da história e na desigualdade da escola. A escola é o berço do racismo pela exclusão dos afrodescendentes e dos pobres, e porque a escola sem qualidade induz preconceitos que se espalham pela sociedade.

A escola será o túmulo do racismo, quando a educação for oferecida a todos com a mesma qualidade e a todos com conteúdo humanista que desfaça preconceitos e valorize a diversidade. Mas a tolerância com o rendismo escolar impede a luta para que os filhos dos pobres e dos ricos estudem em escolas com a mesma qualidade.

Contra o racismo, luta-se por cotas nas universidades, mas não se luta contra o rendismo que impede todas as escolas públicas municipais com a qualidade das boas escolas privadas ou federais. Falta agora que, 100 anos depois do surgimento da palavra racismo, a palavra rendismo seja também entendida como um preconceito odioso, quando se referir a segregação que sofrem as crianças pobres ao serem impedidas de desenvolverem seus talentos na escola e na idade ideal.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.

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