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Quando se olhar para trás, daqui a alguns anos, certamente a década atual será reconhecida como a mais importante para o livro e a leitura na história do país. Não exatamente como aquela em que mais se fez e mais se avançou nesse tema – tudo indica que os próximos 20 ou 30 anos deverão ser mais pródigos –, mas, seguramente, esta década representa o início da virada nacional nessa área.

Senão, vejamos: durante esta década (a partir de 2003, após a desativação equivocada da Secretaria Nacional do Livro e da Leitura) não houve um único ano sem que pelo menos uma ou duas medidas de im­­pacto tenham sido anunciadas. Naquele mesmo ano, o presidente Lula assinaria a Lei do Livro, primeiro marco regulatório em 500 anos de história.

Em 2004, o governo federal promoveu a desoneração fiscal do livro, fazendo do Brasil um dos poucos países do mundo que não taxa livros. Em seguida, foi criado o BNDES PróLivro para financiar a produção e a comercialização dos livros. Foram medidas do Ano Ibero-americano da Leitura, que aqui ficaria conhecido como Vivaleitura.

Outra novidade importante do período foi o restabelecimento da Câmara Setorial do Livro e Leitura, que serviu de palco para debates, articulações e construções coletivas, como a aprovação das diretrizes do setor até 2020, véspera dos 200 anos de Independência do Brasil.

Os resultados não tardaram a aparecer. O primeiro e mais importante é que, menos de dez anos depois, os brasileiros já estão lendo muito mais – menos do que precisamos, porém muito mais do que se imaginava conseguir em tão pouco tempo. O índice de leitura – que, em 2000, entre aqueles com mais de 15 anos e pelo menos três anos de escolaridade, era de 1,8 livro/ano, dobrou em 2008. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, os brasileiros já estão lendo, em média, 4,7 livros por habitante/ano, mais do que os vizinhos da América do Sul.

Uma das razões é, sem dúvida, a institucionalidade dessas políticas dada pela criação, em 2006, do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), que já soma 800 projetos e programas permanentes da União, estados, municípios e sociedade. Só o Prêmio Vivaleitura já catalogou 10 mil ações de fomento à leitura.

O novo apoio que passou a existir por parte do governo refletiu no próprio mercado e levou as editoras a criar o Instituto Pró-Livro, uma espécie de braço da responsabilidade social e resposta à desoneração fiscal. O Ministério da Cultura, de sua parte, correu para acabar com uma lista suja que continuava a envergonhar o país: a existência, em 2003, de 1.300 municípios sem bibliotecas.

O crescimento dos programas sociais do livro teve, nos últimos anos, um crescimento notável. São 130 milhões de exemplares distribuídos anualmente a alunos pobres.

Com isso, tudo indica que o rumo das políticas do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura para a área esteja certo. O que é preciso, agora, é acelerar para aumentar o ritmo dessas ações e assegurar as conquistas. Um passo fundamental nesse sentido será o apoio à implantação de planos municipais e estaduais do livro e da leitura, como se acordou no início da década.

O mais importante é resgatar, ponto a ponto, a agenda construída coletivamente por 40 mil pessoas que participaram, de norte a sul do país, dessas discussões entre 2004 e 2006. Um desses pontos é a aprovação de formas de financiamento permanente que possam, finalmente, converter esse tema em política de Estado. Nesse sentido, já tramita no Congresso o projeto de lei do governo que institui o Fundo Pró-Leitura (0,33% do faturamento do mercado, em contrapartida ao fim dos tributos). Será esta uma boa hora para o MinC passar a dotar a área de orçamentos mais robustos e capazes de custear uma ampla e vigorosa política nacional da biblioteca pública.

Como se sabe, a rede atual (6 mil bibliotecas municipais, 52 mil escolares, 1.200 universitárias e em torno de 20 mil comunitárias) encontra-se em situação bastante precária. Trabalhadores do mercado editorial, empresas da cadeia produtiva e todos aqueles que integram o chamado "povo do livro" devem cerrar fileiras em torno desse tema, crucial para a virada que se pretende. Da mesma forma, é hora de o Ministério da Cultura desengavetar o projeto que cria o Instituto Nacional do Livro e Leitura, já anunciado pelo ministro Juca Ferreira.

Espera-se que o Congresso, de seu lado, acompanhe esses esforços e destine na legislação recursos de fundos para reforçar esse caixa. O Brasil começa, enfim, a descobrir o papel verdadeiramente revolucionário e transformador dos livros. É algo inadiável para nosso sonho de ter uma sociedade próspera e justa e nosso projeto de uma nação desenvolvida e cidadã.

Galeno Amorim é diretor do Observatório do Livro e da Leitura e coordenador da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Foi o criador do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e presidente do Centro Regional de Fomento ao Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc/Unesco)

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