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 | Robson Vilalba
| Foto: Robson Vilalba

Os países ditos “avançados” são, por um lado, ávidos defensores da abertura contínua e imoderada da economia dos países subdesenvolvidos e emergentes, mas, de outro lado, têm postura altamente seletiva na aceitação de recursos externos. Esses países restringem o investimento estrangeiro porque têm um projeto nacional muito bem definido e desenvolvido. Na Itália, por exemplo, o parâmetro para a aprovação do investimento estrangeiro tem seu pilar no princípio da reciprocidade. O ingresso desses recursos é condicionado à receptividade de outros países à presença italiana nas suas atividades econômicas. Além disso, a aprovação é subordinada à avaliação de requisitos como segurança nacional e impacto doméstico. A China também tem um controle rígido das participações externas em setores como agricultura e energia. Apesar de os investimentos estrangeiros serem de certa forma incentivados nessas áreas, eles são subordinados a regras de transferência de tecnologia e à defesa da segurança nacional.

Por outro lado, percebemos a falta de um projeto econômico bem delineado no Brasil. Em meio à pior recessão da história do país, o foco da atual gestão governamental tem sido o de abrir amplamente o mercado rural a investidores estrangeiros. Como uma das prioridades do governo Temer, está a aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma medida autorizando a venda de terras para estrangeiros, o que pode gerar um investimento de R$ 150 bilhões no prazo de cinco anos. Mas a que custo? Essa falta de limites pode gerar gravíssimas repercussões sobre a soberania e os interesses nacionais. O deputado Newton Cardoso Júnior, relator do projeto de lei, argumenta que há, sim, alguns limites – entre eles, a proibição de que o estrangeiro seja dono de mais de 25% de um município. Mas nada impede que um parente seu ou um laranja possa adquirir mais terras e esse estrangeiro chegue a comprar uma cidade inteira.

A implantação dessas empresas estrangeiras no Brasil pode criar uma concorrência desleal

Com a aprovação dessa medida, os grandes afetados serão os agricultores familiares. A agricultura familiar é hoje responsável por uma média de 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros. Temos uma política de crédito muito limitada e a implantação dessas empresas estrangeiras no Brasil pode se tornar uma concorrência desleal para esses pequenos agricultores. Várias entidades têm denunciado que, caso aprovado esse projeto, serão beneficiados os principais proprietários de terras no Brasil, lista que engloba grande parte dos 211 parlamentares da bancada ruralista. Além disso, a frente ambientalista demonstra receio de que a lei possa causar incentivo ao desmatamento e à devastação dos biomas brasileiros. Outro receio é de que fundos de investimento estrangeiros adquiram parcela substancial de terras destinadas ao plantio das chamadas “culturas anuais”, como o milho e a soja, e, em função dos preços menores no mercado internacional em determinado ano, decidam não plantar.

A lei não é nenhum bicho-papão:O eterno medo da inserção internacional (artigo de Guilherme Dourado)

Dessa forma, a implementação da lei que autoriza a venda de terras brasileiras a investidores estrangeiros é inoportuna e não vai melhorar a vida dos brasileiros. O capital estrangeiro deve, sim, vir para o país, mas que se instale em um setor industrial, de tecnologia, no meio ou no fim da cadeia produtiva. Mas esse investimento estrangeiro não pode se dar nos setores primários da economia, tal como o agropecuário, que é o setor que tem sustentado a economia brasileira.

Rafaella Nogaroli é advogada e assessora jurídica no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
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