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Foto: Daniel Beltrá / Greenpeace
Foto: Daniel Beltrá / Greenpeace| Foto: © Daniel Beltrá / Greenpeace

A Amazônia, maior reserva de água doce e biodiversidade do planeta, está em chamas. Sua destruição, que ameaça alcançar um nível catastrófico, implica menos oxigênio e chuva, além de temperaturas mais altas. E são ações humanas as principais causas: no Brasil, onde ficam 60% da floresta, grileiros e fazendeiros, que fazem queimadas para "limpar" o terreno, em parceria implícita com um governo leniente, são os principais responsáveis.

Já passamos por isso antes; em 2004, os índices de desmatamento eram muito piores que os de hoje. Nos últimos anos daquela década, o Brasil conseguiu dar a volta por cima e impôs restrições em uma região em que não se respeitavam regras. Hoje, porém, precisamos ser mais ambiciosos do que naquela época.

O principal problema é a posse da terra. Menos de 10% das propriedades privadas têm escritura regularizada. O caos impera: ninguém sabe quem é dono do quê, ou seja, compensa mais a pilhagem do que a preservação e/ou a produção. Para pôr ordem na casa, é preciso diferenciar aqueles que invadiram há muito tempo, mas que se comprometeram a se estabelecer e ganhar a vida, dos proprietários e madeireiros predatórios, e legalizar a situação dos primeiros.

Uma lei de 2009 estabeleceu a base legal para essa mudança tão necessária, organizando a distribuição de terras na Amazônia; as várias administrações federais que se sucederam nunca investiram no estabelecimento do processo, mas os governos estaduais estão mais do que prontos para assumir a tarefa.

A Amazônia brasileira é muito mais do que apenas uma floresta; são 30 milhões de pessoas que vivem e trabalham ali. Precisamos garantir que as árvores valham mais em pé do que cortadas – mas, para isso, temos de dar aos habitantes da região os meios de usar e preservar o meio ambiente.

O verdadeiro Brasil quer apostar no casamento entre a inteligência e a natureza. Ajudem-nos sem desrespeitar nossa soberania

Os vínculos entre a economia urbana e a Amazônia ainda não foram definidos. Se por um lado temos a Zona Franca de Manaus, capital do maior estado da região, que poderia ser confundida com qualquer lugar na China, com fábricas e montadoras de produtos como celulares e motos, por outro há as técnicas de produtos ecologicamente corretas, mas primitivas, adotadas pelas populações nativas do interior, a que faltam a escala e a tecnologia exigidas para a criação de uma economia viável. Nas regiões de divisa, a principal atividade na savana é marcada pela ineficiência dos pastos.

O drama amazônico é intrínseco à falta de rumo de um país que pouco investe em seu povo, dependendo cada vez mais da produção e da exportação de commodities. Na Amazônia, essa opção simplista leva à destruição. O único sistema com chance de salvar as pessoas e as árvores é a economia do conhecimento.

As inovações tecnológicas, empreendedoras e legais que podem ser empregadas em uma propriedade com escritura legalizada e definitiva permitem a exploração sustentável das florestas tropicais heterogêneas e seu uso como fonte de novos medicamentos e formas de energia renovável. Para que isso seja possível, entretanto, é preciso fornecer serviços técnicos ambientais a uma área maior que a Europa Ocidental.

Só que as indústrias e serviços urbanos de alto grau de conhecimento devem se voltar para a floresta, e não se afastar dela; novas opções de organização de posse e produção financeira podem ajudar as comunidades locais e startups a experimentar, competir e cooperar. E é essa abordagem que pode começar a injetar algum conteúdo prático no slogan vazio do desenvolvimento sustentável.

Não exijam que o Brasil transforme 61% de seu território nacional em um parque internacional; e não esperem que os brasileiros, que conseguiram preservar cerca de 80% das árvores de sua fatia da Amazônia, aceitem tomar bronca de países europeus praticamente sem árvores, resultado de séculos de desmatamento.

Salvar a Amazônia é um projeto que o Brasil deve definir e executar, e o mundo – começando pelos países do G7, que ofereceram a quantia irrisória de US$ 20 milhões em assistência emergencial – deve apoiar. Se o governo Bolsonaro, mergulhado em suas guerras culturais perversas, se recusar a participar, então os governos, as instituições de pesquisa e as empresas internacionais devem procurar os governadores e prefeitos da região. Seus estados criaram uma organização regional, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, que pode criar parcerias com nossos amigos estrangeiros.

O verdadeiro Brasil quer apostar no casamento entre a inteligência e a natureza. Ajudem-nos sem desrespeitar nossa soberania. Em vez de apenas colaborar para apagar os incêndios, auxiliem-nos a fazer as descobertas e a alcançar as inovações que um futuro melhor exige.

Muito se fala sobre desenvolvimento sustentável pelo mundo, mas pouco se vê dele de verdade. O tom dominante do ambientalismo nos países ricos do Atlântico Norte é queixoso e escapista, do tipo "já que a história nos decepcionou, vamos buscar alento no maravilhoso jardim da natureza".

Mais que de consolo, os brasileiros, assim como o resto do mundo, precisam de alternativas, inclusive institucionais. E para já.

Roberto Mangabeira Unger é professor em Harvard e foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos dos governos Lula e Dilma Rousseff.

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