Na semana passada, o Brasil todo se debateu sobre o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, acerca da aceitação, pelo referido e excelso pretório, do recurso processual denominado de embargos infringentes no julgamento do mensalão. Depois de vários debates e voto que redundaram em empate pelo plenário, coube ao ministro Celso de Mello o voto de minerva, saindo o magistrado pela linha da aceitação dos tais embargos.

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Pelo Código de Processo Penal, em seu art. 609, parágrafo único, cabem embargos infringentes quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu. A ação penal contra os mensaleiros, todavia, não era de segunda instância, mas um julgamento originário, pela prerrogativa de função de alguns dos réus em se verem julgados diretamente pelo STF. Por sua vez, o Regimento Interno do Supremo prevê os embargos também nas ações ajuizadas perante ele. A discussão toda residia em saber se a Lei 8.038/90, que trata justamente dos processos de competência originária do STF e do STJ, ao não mencionar os ditos embargos, teria revogado, de modo tácito, o disposto no Regimento.

O STF usou basicamente dois argumentos para acatar a legitimidade dos embargos infringentes contra seus julgamentos originários: o Pacto de San José da Costa Rica (que estabeleceu a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 1969), e o fato de não poder impedir tais embargos, uma vez que houve inércia do Congresso Nacional, que por sua vez não aprovou o PL 4.070/98 (que consistia em revogar expressamente os ditos embargos naquela Corte).

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Todavia, há uma incoerência nessas duas linhas de raciocínio levantadas pelos doutos magistrados. Quando o mesmo STF julgou ser lícito praticar aborto contra anencéfalos, ignorou solenemente o mesmíssimo Pacto de San José, que dispõe ser o aborto uma violação dos direitos humanos, em art. 4º, 1, que põe a salvo todos os direitos desde a concepção, sendo o mais valioso deles a vida. E, quando o STF julgou a licitude da equiparação entre o casamento e a união civil homossexual, o fez invocando exatamente a inércia do Congresso, que não teria ainda aprovado lei nesse sentido, sentindo-se a Corte autorizada a agir na ausência normativa.

A conclusão é de que, quando o Pacto de San José é conveniente prevendo duplo grau de jurisdição, ele vale. Quando é inconveniente, vedando o aborto, não vale. Quando o Congresso deixa de legislar para não dar suporte jurídico ao arremedo de casamento entre pares homossexuais, a inércia vale para o STF agir e substituir-se ao parlamento. Quando o Congresso deixa de legislar, não revogando expressamente o que para a maioria da comunidade jurídica já estava revogado tacitamente (os embargos infringentes na corte suprema), a inércia não vale para o STF agir e os ministros, coitados, são reféns da legislação apenas.

Tristes tempos em que não apenas o Direito positivo deixa de refletir o Direito natural – o que já o sabemos há muito –, como, e isso fica patente na recente decisão da Corte, as próprias leis positivadas são invocadas ao sabor dos interesses políticos, partidários e ideológicos, em nítida manobra com o fito de institucionalizar no Brasil a ditadura prática do pensamento governista.

Rafael Vitola Brodbeck, delegado de polícia no Rio Grande do Sul, é professor de Direito Penal e Direito Processual em cursos preparatórios e autor de Inquérito Policial. Instrumento de defesa e garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana e Lei de Drogas Anotada.