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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Um candidato nas próximas eleições fazia uma palestra e, ao final, disse que a política é a ciência do bem comum e, mais, é a ciência da bondade. A primeira expressão pode ser aceita, mas a segunda é claramente um exagero. Nos debates, afirmei que a economia se contenta em ser a “ciência da realidade”. O filósofo Thomas Carlyle (1795-1881), ao estudar o funcionamento do sistema produtivo, deparou-se com a dura realidade da vida e afirmou que a economia é a “ciência sombria” (ou “ciência melancólica”, em outras traduções).

Lembrei ao candidato que os políticos, até para merecerem o cargo que ocupam, deveriam saber que o Estado (no sentido de ente público) somente dá à sociedade o que dela tenha retirado. O governo não administra recursos próprios. Ele administra os recursos que a sociedade lhe entrega em forma de tributos. Ao decidir onde gastar o dinheiro arrecadado, o governo se depara com limites e a necessidade de optar. Um dólar gasto em uma direção não será gasto em outra. Um dólar gasto na compra de um fuzil não será gasto na compra de uma vacina.

O governo não administra recursos próprios. Ele administra os recursos que a sociedade lhe entrega em forma de tributos

Instado a explicar sua visão da política como a ciência da bondade, ele mencionou os gastos a favor dos pobres, como Bolsa Família, postos de saúde, seguro-desemprego e outros. Lembrei-lhe que não há bondade alguma nisso, trata-se de simples obrigação do governo. O capitalismo tem duas máquinas. A máquina de produzir (o setor privado) e a máquina de distribuir (o setor público). O governo é um mero síndico e o dinheiro que ele retira da população é para executar programas sociais, serviços públicos e investimento em obras de interesse nacional.

Cumprir as funções de “máquina de distribuir” (com o dinheiro que a sociedade privada lhe entregou) não é bondade, é mera obrigação, como também não é por bondade que o síndico de meu prédio mantém o pátio limpo e o elevador funcionando. Ambos arrecadam dinheiro exatamente para serviços coletivos a quem paga a conta: os contribuintes. O candidato havia defendido aumentar o imposto sobre herança (que hoje é de 4% em alguns estados e 8% em outros) e tributar a distribuição de dividendos, num total de uns R$ 135 bilhões. Com isso, a arrecadação tributária do governo passaria de 34% da renda nacional para 36%.

Argumentei que o lado realista da economia se impõe sobre qualquer intenção bondosa. Ora, se o governo tomar mais R$ 135 bilhões da sociedade, é fácil concluir que o consumo das pessoas e o investimento das empresas vão diminuir, logo, menos empregos serão gerados no setor privado. E há outro aspecto, que grande parte dos políticos parece não entender: se o governo gastar toda a receita nova em aumentos salariais do funcionalismo público já existente, nem um centavo a mais irá para o bolso dos pobres. Ou seja, nesse caso, o setor privado ficará mais pobre (porque perderá R$ 135 bilhões com o aumento de impostos), investirá menos e gerará menos empregos, e a população pobre não terá nenhum benefício.

Leia também: Renúncias fiscais e política industrial (editorial de 30 de julho de 2018)

Leia também: Saúde é mercadoria, sim, ministra Cármem Lúcia! (artigo de Leonardo de Siqueira Lima, publicado em 25 de julho de 2018)

No Brasil, há uma clara cultura antilucro e antiempresarial, coisa ilógica, pois dos 104 milhões de brasileiros em condições de trabalhar, 13 milhões (12,5%) trabalham no setor público e 91 milhões (87,5%) trabalham no setor privado. Se mais dinheiro for tomado das pessoas e das empresas via aumento de tributos, como já dito, menos investimentos serão realizados e menos empregos serão gerados no setor privado. A economia é a ciência da realidade, que pode ser dura e difícil. O país somente sairá da pobreza se o produto nacional crescer mais que o aumento da população, se o governo for eficiente, se houver menos corrupção e se todos entenderem que governo não gera recursos, mas apenas gasta recursos dos outros.

O problema é que se criou no Brasil a ideia de que o lucro é um mal, o rico é um mal. Em uma sociedade livre, um dos pilares do progresso é o direito de propriedade privada, e os meios de produção pertencem às pessoas e às empresas. Em países ricos, o número de pessoas ricas é maior e o padrão de bem-estar social médio é maior. Se o Brasil tivesse o dobro de fábricas, lojas, escritórios, empresas de serviços, máquinas, equipamentos, prédios etc, haveria o dobro de riqueza, logo, muito mais gente rica. A tal “ciência da bondade” não existe.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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