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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Contrariando precedentes, o Supremo Tribunal Federal autorizou investigação do presidente da República no exercício do mandato, sem autorização do Congresso e por atos estranhos ao exercício de suas funções. Isso não é possível.

O artigo 86 da Constituição Federal, parágrafo 4.º, determina expressamente que “o presidente da República, na vigência do seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. É uma imunidade temporária. É assim também em vários países, como Portugal (artigo 130.4) e França (artigo 64). Terminado o mandato, o ex-presidente poderá ser eventualmente responsabilizado (a prescrição fica suspensa).

Ao contrário do que pode parecer, o parágrafo 4.º do artigo 86 não consagrou uma irresponsabilidade penal absoluta. Os crimes de responsabilidade podem conduzir ao impeachment. E as infrações penais comuns cometidas durante o mandato serão julgadas pelo Supremo, desde que admitida a acusação pela Câmara. No entanto, nestes casos a investigação é precedida de afastamento do presidente e sempre depois de autorização do Congresso. A estabilidade institucional, definiu a Constituição, não convive bem com um presidente em exercício fustigado por uma investigação ou um processo, com todas as medidas invasivas de uma persecução criminal (ainda que pré-processual).

Em tempos atuais, o inquérito desestabiliza mais do que o próprio processo no Brasil

A lógica subjacente às regras de responsabilização do presidente (incluindo o § 4º do artigo 86), portanto, aqui e noutros países, está em assegurar a estabilidade institucional ao país. Pode parecer dispensável mencionar, mas em tempos de interpretação livre é importante lembrar – e relembrar – o vetor que orienta a interpretação teleológica destas regras constitucionais.

Apesar da clareza do texto do § 4.º do artigo 86, coerente com a interpretação teleológica e sistemática das demais regras do artigo 86, há quem identifique a possibilidade de “apenas” investigar o presidente da República durante o exercício do mandato e sem autorização do Congresso. Não consigo encontrar espaço para esta interpretação. “A interpretação do Direito não é um ato de vontade”, como tem nos lembrado Lenio Streck. Decorre daí que a atribuição de sentido ao texto constitucional não pode ser arbitrária.

A investigação é possível:Investigação agora, responsabilização depois (artigo de Eduardo Faria Silva, coordenador de cursos de pós-graduação em Direito da Universidade Positivo)

Não há como ler no § 4.º do artigo 86 uma vedação apenas à ação penal e não à investigação em inquérito. É esvaziar o conteúdo normativo dos dispositivos. A investigação criminal tem elevada carga estigmatizante, incompatível com a proteção à estabilidade institucional que está no núcleo dos dispositivos constitucionais. É cogitar que o presidente no exercício do mandato, sem autorização do Congresso, tenha sigilos quebrados e sofra busca e apreensão (por que não uma condução coercitiva?). É precisamente a instabilidade que decorre destas investidas que a Constituição quis evitar. Acrescento que, ironicamente, em tempos atuais, o inquérito desestabiliza mais do que o próprio processo no Brasil.

Além disso, investigar agora é inócuo. Primeiro, porque, se a investigação apontar que não há elementos para uma denúncia, terá provocado instabilidade institucional mesmo assim. E, se houver elementos, a denúncia não poderá ser oferecida. Por que e para que investigar agora, então?

A Constituição foi sábia. E não comporta saídas hermenêuticas voluntaristas, orientadas por uma efêmera recepção política mais popular. A ansiedade punitivista, com alguma dose de rivotril institucional, pode esperar o fim do mandato. A Constituição agradece.

Luiz Fernando Casagrande Pereira, mestre e doutor em Direito, é advogado, professor de Direito e autor de vários livros e artigos.
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