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Nessa última semana, colocado em pauta pela declaração do ministro das Comunicações a favor do sistema "japonês", tanto a imprensa como a Câmara dos Deputados ocuparam-se da questão da televisão digital. Trata-se de uma questão que vem sendo agitada a intervalos regulares de tempo e esquecida com a mesma regularidade.

Ocorre que a decisão vem pedindo urgência. Os equipamentos analógicos estão saindo de linha; as emissoras de televisão já possuem grande parte do seu material interno, de rede e de estúdio em operação digital, e os equipamentos analógicos já não são objeto de pesquisa, aperfeiçoamento ou progresso. Além disso, a transformação completa para o processo digital, que permitirá liberar as freqüências hoje ocupadas pelas televisões abertas e gratuitas, será demorada. Quanto mais cedo for dada a largada, tanto mais cedo teremos as freqüências liberadas.

Homem de televisão que sempre foi, não podia o ministro Hélio Costa deixar de colocar a questão em pratos limpos, dando sua opinião e deixando ao presidente da República a decisão final da questão.

Em primeiro lugar, o ministro Hélio Costa não defende um "sistema japonês". Defende o único sistema que permite que receptores fixos, portáteis ou móveis (leia-se celulares) recebam as transmissões que estarão no ar, diretamente das emissoras de televisão, em alta definição ou não, com excelente qualidade e de graça. Ou seja, um "sistema" que permitirá ao povo assistir na rua ao que estava assistindo em casa, sem pagar nada, além de poder dispor de televisão em alta definição.

As companhias telefônicas estrangeiras, por intermédio de um surpreendente documento, afirmam: "... sugerimos a devida maturação da decisão quanto ao padrão tecnológico SBTVD para permitir maior participação do nosso setor." Sem mais nem menos, surgiram as companhias telefônicas estrangeiras querendo maior participação num setor em que não têm participação nenhuma. A partir daí, alinham ponderações fora do contexto e de propósitos que culminam com a sugestão de mudança da lei e da Constituição brasileiras, que são chamadas de "marco regulatório". Em vista do que o ministro Hélio Costa, com síntese lapidar, declarou: "Estamos discutindo televisão digital e não telefonia digital".

Na verdade, o que querem as companhias telefônicas, ou melhor, o que não querem as telefônicas estrangeiras é que o povo brasileiro possa assistir em receptores celulares, gratuitamente, à televisão aberta, a que está no ar. Querem a adoção de um modelo que deixe para elas, telefônicas, o direito de fazer televisão para celulares e cobrar por esse serviço adicional. Não querem convergência das mídias nos celulares; convergência só é boa na casa dos outros. Não querem que o povo, ao sair à rua, continue a ver num celular o que estava vendo em casa, os últimos minutos de um Fla x Flu ou o desfecho de sua novela favorita, sem pagar nada! Nem nas casas em alta definição, de graça. Sim, porque o modelo que preconizam tem a forânea virtude de excluir nossa televisão aberta do direito de transmitir em alta definição que, mais tarde, é claro, seria oferecida por cabo ou satélite aos que pudessem pagar. Resta o problema da Constituição. Mas, como sabemos, se a Constituição brasileira não permite qualquer coisa, pior para a Constituição. É disso que se trata.

Em matéria de eletrônica, apostar que o "sistema" japonês não seria o melhor de todos teria sido jogar dinheiro fora. O seu "sistema" permite tudo, permite alta definição e recepção direta em qualquer modalidade, permite uni ou multiprogramação e está em funcionamento no Japão. É um modelo que pode o mais, portanto, que pode o menos. A partir daí, quem terá ou não terá concessões de televisão, quem terá ou não renovadas as suas concessões, competirá ao governo e ao Congresso decidir, nos termos da lei e da Constituição, com todos os subterfúgios para fraude, como faz parte da cultura pátria. Boa ou ruim, é a nossa pátria.

O modelo preconizado pelas telefônicas pode o menos. Transformará, para sempre, a televisão brasileira numa televisão nanica e incipiente.

A solução proposta pelo ministro agradou à Globo? Agradou ao SBT? Agradou à Bandeirantes, à Record? É claro. A quem deveria agradar, senão às emissoras brasileiras que vão ter o custo de fazê-la?

Para as televisões, o modelo japonês não muda nada, só representa investimentos, e o prazer de transmitir imagens melhores, nunca vistas. Já passaram por isso quando da introdução da televisão em cores. Para o consumidor, acontece o mesmo. Quando puder e valer a pena, comprará seu novo receptor digital, exatamente como fez quando da introdução da televisão em cores. Para o governo é melhor: terá à sua disposição escolher o modelo que quiser sem qualquer limitação, aumentar o número de canais e ser o pai da televisão em alta definição. As telefônicas continuarão a ser telefônicas. A gente continuará a falar no telefone e não o telefone com a gente.

O ministro Hélio Costa ousou não se curvar diante do incomensurável poder, publicidade e lobby das telefônicas estrangeiras e nacionais, se é que existem, no Brasil. Hélio Costa sabe, melhor do que ninguém, o que é televisão, o que é democracia e o que é a Constituição: ajudou a fazê-la.

O inesquecível Nelson Rodrigues dizia que o problema do Brasil era que "o brasileiro tem vergonha de ser brasileiro". O ministro Hélio Costa não tem. Muito menos terá o presidente da República.

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