• Carregando...

O governo do Paraná enviou recentemente à Assembléia Legislativa um anteprojeto de lei que prevê a redução de 18% para 12% da alíquota do ICMS incidente sobre algumas categorias de bens de consumo – alimentos, artigos de higiene, roupas, calçados, eletrodomésticos, entre outros. Em paralelo, a proposta defende a elevação do imposto cobrado no consumo de produtos considerados não-essenciais, como energia elétrica, telecomunicações, cigarros e bebidas, de 27% para 29%, e de gasolina, de 26% para 28%.

Na visão oficial, as medidas deflagariam um círculo virtuoso de aumento do consumo, das vendas, da produção, do emprego e da renda, associado ao barateamento dos preços de produtos básicos, por redução da carga fiscal.

O fenômeno seria particularmente benéfico para a população de menor capacidde aquisitiva que, em um sistema de tributação indireta e regressiva, paga mais impostos em proporção à renda. Por seu turno, a arrecadação seria preservada pela provável diminuição da sonegação e, sobretudo, pela majoração da tributação dos itens não-essenciais, responsáveis por mais de 60% da receita de ICMS do estado.

A despeito da indiscutível competência técnica da Secretaria da Fazenda (Sefa) na preparação das simulações, convém lembrar que, quando o assunto é tributação, na maioria das vezes, a realidade costuma ser cruel com as pressuposições numéricas formuladas em escritórios. Logo, o entusiasmo nas hostes do Executivo e em uma fração do Legislativo com tal iniciativa, deve ser cotejado com alguns componentes explicativos das estruturas de funcionamento do mercado de bens e monetário, sobretudo quanto à formação de preços.

Em primeiro lugar, é necessário considerar o caráter menos elástico da demanda dos itens essenciais de consumo doméstico em relação à renda, em face da expressiva ampliação da demanda dos últimos anos, atrelada à estabilidade monetária, à recuperação do poder de compra real do salário mínimo e à interferência dos programas oficiais de transferência de renda.

O segundo elemento abarcaria o elevado grau de sonegação fiscal embutido na comercialização dos produtos básicos, o que pode significar a não-ocorrência de redução de carga tributária efetiva com as supostas vantagens fiscais a serem implantadas.

O terceiro aspecto refere-se ao enquadramento de mais de 90% dos contribuintes privados do estado no regime tributário conhecido como Simples, aplicável a pequenas e micro empresas, cujo recolhimento de tributos é definido pelo faturamento.

A quarta peça relevante corresponde ao clima de aquecimento das vendas do comércio varejista, oportunizando, por parte das empresas, o deslocamento dos ganhos derivados do decréscimo da cunha fiscal, mais para a restauração das margens de lucro e menos para os preços finais dos bens. Convém enfatizar que o varejo é usualmente refém do processo de formação de preços ocorrido nos oligopólios industriais.

O quinto ponto, ligado à compensação de receitas, compreende a substancial ampliação do peso dos serviços industriais de utilidade pública nos orçamentos domésticos, observada nas últimas duas décadas, especialmente no período de estabilidade da moeda, a partir do lançamento do real. Nesse caso, a elevação de preços decorrente do aumento do ICMS encurtaria a renda líquida disponível das famílias e forçaria uma reprogramação, para baixo, dos gastos com bens essenciais ou supérfluos, anulando os efeitos do abrandamento tributário.

Por fim, o sexto elemento repousa na categorização dos serviços de energia elétrica e de telecomunicações e da gasolina como custos privados, cuja elevação, em circunstâncias de esfriamento da concorrência, pode resultar em aumento de preços em diferentes cadeias produtivas, fragilizando o poder de consumo de forma generalizada.

Evidentemente, atitudes consistentes voltadas à diminuição da interferência dos tributos do cotidiano econômico devem ser louvadas. Todavia, o funcionamento precário do federalismo brasileiro limita as chances de êxito do uso do ICMS como instrumento para a superação das distorções em um sistema tributário anárquico, complexo e regressivo, que penaliza o consumo e o investimento produtivo e estimula a especulação financeira.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do curso de Ciências Econômicas e editor da revista Vitrine da Conjuntura, da FAE Business School.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]