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O Poder Legislativo, sobre o qual recaem tantas críticas, é um importantíssimo pilar da democracia. É no parlamento que, bem ou mal, ocorrem debates sobre os interesses da sociedade, onde atuam partidos políticos, contando com a presença de defensores da situação e da oposição. Quem lá está é escolhido pelo voto. Essa livre escolha implica alta responsabilidade de quem vota e daquele que é eleito.

A presidente Dilma Rousseff, no entanto, parece não pensar assim, pois assinou o Decreto 8.243, que concede generoso espaço a movimentos sociais na administração pública. Surgem órgãos, conselhos, instâncias de decisões que obrigarão a administração pública, interferindo diretamente na condução do país. Ao criar a Política e o Sistema Nacional de Participação Social (PNPS e SNPS), errou na forma e nas consequências que advirão com a sua execução.

Em relação à forma, parece claramente ilegal e inconstitucional, pois um decreto tem a função de regulamentar uma lei anterior, mas jamais pode fazer as vezes da própria lei, como acontece neste caso, invadindo a competência do Poder Legislativo. Além de afrontar diretamente os artigos 1.º, 2.º, 5.º e 14 da Constituição, o decreto ultrapassa as atribuições previstas ao Poder Executivo no art. 84, VI, "a", também da carta magna. Quanto às consequências, o decreto trará mais burocracia à administração e provoca suspeitas de que se estaria buscando organizar os movimentos sociais para aproveitamento político.

As manifestações sociais, das quais muitos se aproximam com segundas intenções, são um importante termômetro do que acontece no país e não devem ser restringidas. São expressões da liberdade que a democracia proporciona e se prestam a chamar a atenção sobre reivindicações da população. De outro lado, sabemos que a grande maioria da população passa ao largo desses movimentos, mas a elas está garantido o direito de influir nas decisões pelo voto direto. Não é aceitável privilegiar integrantes desses movimentos na administração pública em detrimento dos demais cidadãos, que passariam a ser uma espécie de segunda classe.

Após deixar muito claro que a participação social será método de governo, o decreto estabelece que o orçamento e o planejamento do governo federal estarão sujeitos à atuação dos movimentos, sejam eles organizados ou não (art. 2.º. I e 4.º, V). Com redação sofrível, o decreto é muito ruim e prevê uma gama de comissões, conselhos, conferências nacionais, mesas de diálogo, fóruns interconselhos, entre outros, a infernizar a vida administrativa da República. Todos eles terão uma participação efetiva na administração pública federal, direta e indireta, que deverá respeitar e incluir as suas deliberações na execução, monitoramento e avaliação de seus programas e políticas públicas. É como consta no artigo 5.º.

Não há dúvidas de que a administração perderá em eficiência. Talvez passemos a viver num "Estado Burocrático de Direito", sob a supervisão do secretário-geral da Presidência da República, alçado à condição de coordenador de todo o sistema.

O Congresso, constituído pelo voto de cada um dos 140 milhões de eleitores deste país, deve aproveitar o esforço concentrado desta semana para sustar imediatamente essa aventura que implica risco à democracia, muito ao contrário do que se prega. Poderemos ser dominados pelos movimentos ao sabor dos interesses políticos do Executivo. Ao mesmo tempo, cabe o apelo para que o Legislativo trabalhe, trabalhe sério, melhorando a sua imagem. Faça-se respeitar por boas práticas e, com isso, inibirá más iniciativas, como a desse decreto.

José Lucio Glomb é ex-presidente da OAB-PR e do Instituto dos Advogados do Paraná.

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