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Rio de Janeiro: projeto sólido de desestatização do saneamento
Rio de Janeiro: projeto sólido de desestatização do saneamento| Foto: Pixabay

Ao longo do ano de 2021, o governo do estado do Rio de Janeiro realizou, em nome da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e demais municípios aderentes, a concessão do serviço de saneamento em quatro blocos, sendo arrematados pelas empresas Aegea (dois blocos), Águas do Brasil e Iguá, em um valor total de quase R$ 25 bilhões de outorga fixa, além de mais de R$ 30 bilhões em investimentos.

O leitor pode achar estranha a utilização da expressão “realizar em nome de”, mas foi exatamente o que aconteceu, pois estados não têm o direito de outorga desse serviço público, e sim os municípios ou alguma governança pública baseada em direito metropolitano, como o STF já assentou em decisão de 2013 (Adin 1.842/RJ). O estado do Rio só pôde conceder esse serviço porque organizou anteriormente, por meio da LC 184/2018, sua Região Metropolitana, e a governança metropolitana do Rio decidiu, em fevereiro de 2020, aprovar modelo de concessão do setor. Municípios de fora da RMRJ aderiram voluntariamente ao projeto e, com tudo pronto, a governança aprovou os documentos e promoveu um acordo com a Secretaria da Casa Civil do estado para a realização do leilão.

É fundamental entender que esse direito de outorga, embora tenha sido licitado com brilhantismo pelo governo do Rio, só foi possível por anuência da governança metropolitana e dos demais municípios aderentes. Essa é a razão por que, apesar de a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro editar um decreto legislativo 24 horas antes do leilão, impedindo-o de acontecer, a Justiça do Rio garantiu a manutenção do certame, sob o argumento de que a casa legislativa estaria usurpando competência metropolitana e municipal, sendo o estado do Rio de Janeiro ora apenas representante destes entes.

Com isso, a Cedae, empresa estatal estadual que fazia a distribuição de água e coleta de esgoto nos municípios em questão, agora passa a focar exclusivamente na captação e tratamento de água, vendendo esse produto para as novas concessionárias que, além de distribuírem a água tratada, também farão a coleta e tratamento de esgoto, com imenso e positivo impacto ambiental. Os recursos investidos possibilitarão que o estado do Rio de Janeiro cumpra a exigência do Novo Marco do Saneamento, para que até 31 de dezembro de 2033 pelo menos 90% das residências constantes no projeto tenham acesso à rede de esgoto e 99% tenham acesso à água tratada em casa.

A licitação só foi possível e bem-sucedida porque fora estruturada dentro dos mais modernos conceitos de direito metropolitano, a partir dos ditames do Estatuto da Metrópole, motivo pelo qual o Poder Judiciário, sempre que provocado, reafirmou esse direito, demonstrando-se, na prática, a solidez da segurança jurídica do processo.

Em breve, o governo do Paraná também precisará se debruçar sobre o tema, visto que estão na ordem do dia os prazos do Marco do Saneamento para desestatização do setor, em especial para extinção dos contratos de programa entre os municípios e a Sanepar. O governo do estado do Paraná tem buscado estender esses contratos sob o argumento de que possui capacidade financeira para a universalização da rede até 2033. Por outro lado, recentemente instituiu, através da LC 237/2021, três “microrregiões” que dividem o estado para fins de gestão do saneamento, o que sugere ao mercado que o governo poderá fazer a concessão em três blocos, reduzindo o escopo da Sanepar em moldes parecidos com o que o Rio de Janeiro fez com a Cedae. Ambos os movimentos parecem carecer de legalidade.

No âmbito da extensão dos contratos de programa, é clara a proibição do Novo Marco no seu artigo 10.º, quando não se tratar de empresa municipal. Como a Sanepar pertence ao estado do Paraná, que não é o titular dos serviços de saneamento, a extensão desses contratos é ilegal. Ainda que o objetivo final fosse a concentração dos direitos de outorga na Sanepar para eventual venda valorizada das ações da companhia, como possibilita o artigo 14 do Novo Marco, esse rito deve se dar com a anuência dos municípios para esse determinado fim específico e com a solução jurídica para participação financeira dos entes municipais, sob pena de renúncia de receita, o que tornaria todo o processo ilegal, tal como está se discutindo judicialmente nesse momento no processo de concessão da região metropolitana de Maceió, cujos municípios têm sido vencedores até o momento em todas as instâncias.

Já quanto à criação de três “microrregiões” do saneamento em todo o Paraná, esse é um evidente desvio de legalidade do instrumento das microrregiões. A microrregião é o menor e mais simples tipo de governança metropolitana, que deve ser aplicado em locais onde não existam regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas. Uma das “microrregiões”, inclusive, engloba a Região Metropolitana de Curitiba já instituída por lei complementar, sobrepondo-se de maneira inconstitucional às duas figuras metropolitanas, o que também cria insegurança jurídica no setor.

A desestatização do saneamento é uma questão urgente, e o Paraná tem totais condições de fazer um projeto sólido com segurança jurídica, tal como feito no Rio de Janeiro, gerando investimentos no setor e recursos para o estado e os municípios. São vários os modelos possíveis para obtenção dos mesmos resultados, não necessariamente se utilizando o mesmo modelo fluminense; entretanto, é condição sine qua non que o modelo escolhido esteja de acordo com as melhores práticas jurídicas e administrativas, sempre com fulcro constitucional, para se chegar ao resultado que melhor garanta o bem-estar social e o exercício desse direito humano básico que é o acesso ao saneamento.

Bernardo Santoro, advogado, mestre em Direito e doutorando em Direito da Cidade, é presidente do Instituto Rio Metrópole, autarquia executiva da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

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