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Para os que acompanham mais de perto o cenário da conservação da natureza no Paraná, nada representa melhor a gestão pública estadual do que a reação da Secretaria do Meio Ambiente, ao comentar o levantamento apresentado à mídia em dezembro, dando conta de que o Paraná foi o segundo estado que mais destruiu suas áreas naturais em todo o bioma da Mata Atlântica: "Nos últimos cinco anos, o Paraná freou o desmatamento em 88% (...) Esse resultado revela o comprometimento inequívoco do governo paranaense com a preservação e conservação dos remanescentes florestais do estado."

Não é de hoje que a manipulação de informações é utilizada pelos poderes constituídos para iludir a população. Quem dispõe de informações mais detalhadas, só pode se sentir insultado. Perdemos quase 30 mil hectares de áreas naturais nos últimos cinco anos e a reação é de comemoração?! Quase toda essa área, que foi destituída de cobertura natural, é de florestas com araucária, que em 2001 já não representava mais do que 0,8% de remanescentes em bom estado de conservação no Paraná, segundo estudos da Fundação de Pesquisas Florestais (Fupef).

Para qualquer cidadão de bom senso, não havia mais nada a se perder. De áreas ainda com perfil próximo à floresta original, 60 mil hectares restavam. Algo tão mínimo que não permite outra decisão que não seja sua preservação. E agora? Perdemos 50% do que restava e observamos um governo que assume o papel de festejar esse desastre?

Sem políticas instituídas para garantir a proteção dessas áreas – medíocres em extensão, mais de valor inestimável no aspecto de biodiversidade –, fecha-se mais uma gestão com déficits vergonhosos. O governo do Paraná deveria ter tomado medidas fortes para garantir a manutenção dos últimos fragmentos de áreas nativas bem-conservadas. Foi informado dessa necessidade emergencial por várias vezes. Em contrapartida, creditou à fiscalização e ao licenciamento a responsabilidade de garantir a intocabilidade dessas áreas, uma estratégia historicamente insuficiente para reprimir a violenta saga de destruição que ainda está presente na exploração da natureza. Ingenuidade? Pior do que isto, gastou suas energias em programas de restauração de áreas, garantindo que "milhões de mudas fossem plantadas para a conservação da natureza no Paraná".

A campanha, realmente, deve ter atingido alguns resultados expressivos, ao recuperar porções de matas ciliares destruídas nas décadas passadas. Mas o que poucos percebem é o equívoco que representa gastar recursos com plantio de mudas e, ao mesmo tempo, permitir que os últimos fragmentos nativos sejam deixados ao sabor do vento, disponíveis para a continuação da destruição. Vale reforçar que os próprios órgãos ambientais do estado, por várias vezes, garantiram licenciamentos ilegais para o corte de áreas nativas, um escândalo abafado com as retóricas de sempre.

A realidade é que as florestas continuam a desaparecer sistematicamente no Paraná. Princípios científicos que embasem estratégias mais refinadas e inteligentes são deixados de lado, assumindo-se, em seu lugar, imposições e "achismos" absolutamente em desacordo com a lógica e a razão.

Ressalte-se que há alternativas de curto prazo para se apoiar diretamente aqueles proprietários que mantêm em suas terras a garantia de que em algum momento no futuro saberemos respeitar mais a natureza e a nós mesmos.

Esperar o quê, para a próxima gestão? A valorização de nosso patrimônio natural negligenciado? O fortalecimento das instâncias de governo responsáveis pela conservação da biodiversidade? Sensibilidade para se perceber que o bonde está passando, talvez, pela última vez? E que comportamentos retrógrados e interesses econômicos de curto prazo são características de nossa sociedade, mas não qualidades?

Haveria como se garantir capacidade e sabedoria para reconhecer os equívocos e assumir as responsabilidades na área da conservação da natureza, sem demagogias e manipulações? Muito embora todo o mundo esteja discutindo o futuro do planeta, ainda conseguimos nos afundar em nossa própria pequenez. Assim vamos, de governos sem compromisso a governos sem compromisso, destruindo nosso futuro.

A gestão estadual que se encerrou ficou devendo muito para os paranaenses. Vamos continuar a insistir em caminhos que não vão a lugar algum ou podemos ter alguma esperança de inovação, de qualidade técnica e respeito a princípios científicos, com capacidade de ordenar investimentos de acordo com suas prioridades?

Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

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