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Comissão foi criada para investigar a disseminação de supostas notícias falsas durante o período eleitoral.
Comissão foi criada para investigar a disseminação de supostas notícias falsas durante o período eleitoral.| Foto: Bigstock

Um ano já se passou desde a eleição de Jair Bolsonaro ao cargo de presidente do Brasil. Uma campanha eleitoral marcada por intensos debates sobre falsas notícias e seus impactos na imprensa, política e sociedade. A um ano das próximas eleições municipais, a questão ainda persiste e deve tomar forma com novos desafios ao passo que o pleito se aproxima. Por isso, todo o zelo e medidas democráticas que respeitem as liberdades de imprensa e de expressão devem ser colocados na mesa para que danos e prejuízos à jovem democracia brasileira sejam evitados ou minimizados.

As fake news começam a chamar atenção de todo o mundo durante as eleições norte-americanas de 2016, quando as discussões dos temas sociais, políticos e econômicos dos Estados Unidos cederam espaço a uma acirradas trocas de farpas e acusações entre os candidatos Donald Trump e Hillary Clinton. Ao longo de toda a campanha, Trump atacou a mídia e afirmou que os órgãos de imprensa fabricavam notícias falsas para prejudicá-lo. O embate com a imprensa dura até hoje e deve perdurar até as eleições de 2020. O próprio republicano utiliza o termo fake news para definir todos os veículos de imprensa que não produzam notícias “verdadeiras” sobre a Casa Branca.

A realidade reportada diariamente nos noticiários pode ser entendida como um olhar jornalístico sobre os acontecimentos e fatos relatados

Debates presidenciais e campanhas acaloradas não são estranhos às eleições no Brasil. Por aqui, já se viu campanhas tirarem o foco das discussões de propostas para embates personalizados. Em 2018, é possível dizer que a emoção "anti-PT" ou a onda "anti-Bolsonaro" tiveram maior impacto que, de fato, as discussões necessárias para o futuro da sociedade. Sem dúvidas, o uso de declarações polêmicas sobre determinadas pautas foram fundamentais para a ascensão de Bolsonaro.

As eleições de Donald Trump e de Jair Bolsonaro refletem um momento único na história da humanidade, no qual se discute a ressignificação dos conceitos e ideias sobre “verdade” e “mentira”. Hoje, o conteúdo e a forma das produções textuais – escrita, imagem, vídeo ou áudio – já não têm tanta importância nas relações humanas. O que predomina são as crenças, valores, anseios e expectativas do público que recebe as mensagens, e que assume um papel de juiz dos fatos e acontecimentos relatados, por exemplo, no trabalho jornalístico. O comportamento de juízo se torna responsável por avaliar se as informações e dados são verdadeiros ou mentirosos. No entanto, esta análise não necessariamente é crítica, mas contém doses maiores ou menores de subjetividade.

O que cada um, como cidadão, precisa compreender é que a realidade reportada diariamente nos noticiários pode ser entendida como um olhar jornalístico sobre os acontecimentos e fatos relatados. Quando se trata de fake news, é preciso dizer que notícias imprecisas ou com problemas de apuração podem ocorrer e, quando acontecem, cabe aos órgãos de imprensa fazer a devida errata, corrigindo as informações. Talvez o grande desafio do jornalismo seja legitimar seu direito a realizar a cobertura dos fatos mais importantes do Brasil e do mundo, selecionando os acontecimentos que irá apurar e publicá-los sem rótulos de partidarismo ou ideologias.

Ainda, muitas das chamadas fake news se relacionam com postagens e produções textuais, produzidas por internautas ou grupos políticos, disseminadas pelas mídias sociais e, portanto, não se relacionam com o trabalho jornalístico. Geralmente, estes textos trazem imagens montadas, declarações supostamente feitas por celebridades ou políticos, e visam manipular a opinião pública de forma favorável ou contrária a um grupo político, empresarial ou assuntos de interesse social e econômico. A esse formato não se pode chamar literalmente de fake news, pois, mesmo sendo falsas, não aplicam os princípios e técnicas empregadas no jornalismo e os critérios de noticiabilidade na sua produção. Portanto, não podem ser chamadas propriamente de notícias.

As fake news na era de Trump e Bolsonaro talvez possam ser entendidas como discurso político empregado para produzir uma guerra midiática na qual se pretende acusar a imprensa de fabricação de notícias falsas. A era das fake news talvez englobe uma série de estratégias, disseminadas principalmente por mídias sociais, utilizadas por personalidades ou grupos políticos para se manterem em evidência na sociedade. Assim, o uso de escândalos de alta repercussão, declarações polêmicas sobre diferentes pautas sociais e econômicas, bem como outros instrumentos, somente contribui para o alcance de objetivos diversos que, por muitas vezes, não estão alinhados às necessidades e aos anseios da sociedade.

Em contrapartida, a atuação do jornalismo é essencial para trazer luz às situações que impõem barreiras ao desenvolvimento social e econômico e às garantias dos direitos de cada ser humano. Não se pode esquecer ou diminuir o papel da imprensa, por exemplo, na revelação do Pentagon Papers em 1971, que trazia informações confidenciais do governo americano sobre a Guerra do Vietnã; ou, ainda, o Watergate, um esquema de espionagem no Comitê Nacional do Partido Democrata. Ou mesmo aqui no Brasil, com o trabalho realizado pelos jornalistas na cobertura dos escândalos do mensalão e da Lava Jato, dentre tantos outros acontecimentos importantes ao longo da história do país.

Não se pode negar à imprensa o direito de abordar, com sua visão editorial, os acontecimentos e fatos que deseja reportar sob pena de se instaurar uma situação de censura aos jornalistas e veículos de comunicação. Uma sociedade somente será desenvolvida com uma democracia saudável se houver diferentes órgãos de imprensa que reportem os mesmos fatos com pluralidade, mesmo com divergências de cobertura. Até porque as múltiplas narrativas em diferentes abordagens noticiosas são fundamentais para a ampla formação da opinião pública e da cidadania consciente.

Paulo Henrique Ferreira Shelomon é formado em Jornalismo e em Relações Públicas, sendo especialista em fake news, cobertura política e eleições norte-americanas pela Fundação Cásper Líbero.

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