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Quem detém os direitos de propriedade sobre a realização de comércio no entorno dos estádios: a Fifa e todos os seus patrocinadores, ou os comerciantes locais?

Recentemente a Fifa divulgou algumas regras para as cidades que irão sediar os jogos da Copa de 2014, como publicado pela Gazeta do Povo. E nem tudo é uma caixa de bondades. Além de várias exigências aos clubes e aos estádios que sediarão os jogos, nas áreas próximas aos estádios o comércio não poderá funcionar, pois essa atividade será restrita apenas para os patrocinadores oficiais do evento, incluindo propaganda em outdoors. E não é de se estranhar que cause certa apreensão ou indignação entre os comerciantes ali instalados.

Isso levanta uma das questões mais antigas da humanidade: os direitos de propriedade. Os primeiros capítulos da Bíblia, por exemplo, já tratavam dessa questão. E passados milhares de anos, nos defrontamos com situações em que os direitos de propriedade ainda não estão bem definidos. E é justamente esse o motivo da indignação dos comerciantes das proximidades dos estádios.

Em um artigo publicado no ano de 1960, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia Ronald Coase elucidou muitas questões a esse respeito, e delas duas merecem especial atenção. A primeira delas é a constatação de que carecemos de direitos de propriedade mais sólidos. E a segunda é que, se os direitos de propriedade fossem bem definidos, os agentes poderiam livremente negociar e obter um consenso que seria vantajoso a ambos.

Coase parte do seguinte princípio. Supondo que uma determinada ação de um primeiro agente se desdobre em dano a um segundo agente, intuitivamente pensamos que devemos punir esse primeiro agente. Pois uma punição a ele irá sanar o dano causado ao outro agente. No entanto, segundo Coase, esse procedimento, embora intuitivamente aceito por todos nós, é um engano, pois, inicialmente, se deve saber quem detém os direitos de propriedade. Se o primeiro agente detém o direito para promover a ação, então o outro agente deverá arcar com os danos. Caso deseje se livrar dos danos, ele deverá negociar com o primeiro e recompensá-lo para não adotar a ação. Por sua vez, se é o segundo agente quem detém o direito de propriedade, o primeiro está impossibilitado de cometer a ação. Caso queira, deverá recompensar o segundo agente pelos danos sofridos.

Tendo isso em mente, a questão central a respeito da impossibilidade dos comerciantes próximos do estádio de exercerem sua atividade é saber quem detém os direitos de propriedade. Se forem os comerciantes, então as empresas patrocinadoras do evento, se quiserem impor restrições a eles, deverão pagar uma quantia para que eles paralisem suas atividades nos períodos em que os jogos irão ocorrer. Se forem as empresas patrocinadoras e a Fifa, então serão os comerciantes que deverão pagar a elas para poderem exercer suas atividades. Isso se o ganho com as vendas superar o valor que elas deverão pagar às empresas patrocinadoras.

No entanto, cabe a seguinte indagação: quem detém os direitos de propriedade sobre a realização de comércio no entorno dos estádios, a Fifa e todos os seus patrocinadores, ou os comerciantes locais? Normalmente os comerciantes têm o direito de realizar qualquer transação institucionalmente legalizada. Mas, se tomarmos como base o que ocorreu na última Copa realizada na África do Sul, a Fifa detém os direitos de propriedade, pois ela conseguiu impor sua decisão e anulou qualquer possibilidade de transação comercial. Como vivemos em um mundo bastante confuso sobre a propriedade, e essa situação deixa claro que os direitos não estão plenamente definidos, é certo que a Justiça deverá dar a palavra final.

Rodolfo Coelho Prates, doutor em Economia pela USP, é professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo.

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