• Carregando...

Recentemente, dez entre dez notícias sobre o fim da greve dos professores da rede estadual de ensino no Paraná vinculam-no à declaração, pelo Judiciário, da “ilegalidade” do movimento. A informação, bem palatável, é reforçada pela manutenção da multa de R$40 mil por dia, aplicada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) à APP-Sindicato caso os professores não voltassem às salas de aula (decisão proferida em 2 de junho no Ag.Reg. 1348213-8/01, de relatoria do desembargador Luiz Mateus de Lima).

Seguiu-se à decisão do TJ a aprovação do fim da greve dos professores, mediante a promessa da aprovação de lei que lhes concederá, em outubro de 2015, reposição salarial de meros 3,45%. Os acontecimentos foram noticiados quase terminando com um “... e foram todos – governo, professores e alunos – felizes para sempre”.

A verdade, contudo, é que o TJ/PR em momento algum ousou afirmar a ilegalidade da greve na decisão proferida em 2 de junho. Nela, afirmou o Judiciário que “embora o movimento grevista em apreço seja legítimo, bem como pautado na legalidade, [...] entendo que as atuais circunstâncias fáticas autorizam [...] determinar a cessação do exercício de greve”. Justificou-se dizendo que “ainda que o interesse da categoria envolvida seja legítimo e pautado na legalidade, deve prevalecer o direito essencial/fundamental à educação”. O argumento funda-se, portanto, na prevalência do interesse público na continuidade dos serviços de educação em relação àqueles dos professores (como se a pauta de reivindicações dos professores não fosse, também, de interesse público).

Transferiu-se aos professores o ônus de arcar com a conta institucional de promover aos cidadãos paranaenses o direito à educação

E disse mais o Judiciário. Afirmou que “no meio do impasse ora instaurado, no qual se discute interesses de uma categoria (servidores públicos, ­ no caso professores) abalados pela notória crise financeira dos cofres públicos (decorrente do descontrole das contas públicas em virtude de gestões ineficientes), encontra-se, à deriva, o direito à educação, sendo que os maiores prejudicados são as famílias e os estudantes, os quais estão sendo privados do acesso a tal direito”.

Como se vê, a greve da APP não foi declarada ilegal pelo Judiciário. Este a afirmou legal e legítima, apontando o rombo dos cofres estaduais, “decorrente do descontrole das contas públicas, fruto de gestões ineficientes”, como causa do impasse.

O que choca, no entanto, foi a solução dada ao conflito: a APP foi condenada à cessação da greve, legal e legítima, sob pena de multa (R$ 40 mil por dia!), sem que nada fosse dito ao Estado quanto ao seu dever institucional de realizar política pública eficiente à concretização do direito fundamental social à educação. Em suma: transferiu-se aos professores o ônus de arcar com a conta institucional de promover aos cidadãos paranaenses o direito à educação, à custa de seus próprios direitos fundamentais sociais ao trabalho e à recomposição salarial.

Eu sabia que lecionar é sacerdócio. Não sabia que, para o Judiciário paranaense, é escravidão.

Thaís Aranda Barrozo, advogada e doutoranda em Direito Processual pela USP, é professora do curso de Direito da UEL.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]