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A greve na Receita e o direito ao desembaraço aduaneiro
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Conforme amplamente divulgado nos noticiários, os protestos dos auditores fiscais da Receita Federal já afetam significativamente as operações no Aeroporto Internacional de Viracopos, aumentando de dois para 15 dias o tempo de liberação dos processos de importação, prejudicando os particulares que dependem da importação para manter o fluxo de produção e todas as suas atividades.

Não se questiona, aqui, se a greve e os protestos são legítimos. Ocorre que, ainda que a paralisação seja um direito dos servidores, ele não pode impedir a continuidade de serviço essencial e causar prejuízos aos particulares. Se o movimento deflagrado pelos agentes obsta a prestação normal dos serviços públicos e traz risco de prejuízo aos particulares, deve o Judiciário intervir para determinar a liberação das mercadorias. Nesse sentido, a Segunda Turma do STJ decidiu em 2001, no REsp 179255/SP, com relatoria do ministro Franciulli Neto, que “não cabe ao particular arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular” e que “devem as mercadorias ser liberadas, para que a parte não sofra prejuízo”. Da mesma forma, em 2012, prelecionou a desembargadora federal Regina Costa, do TRF3, que “a greve dos servidores da Receita Federal não pode paralisar o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas, porquanto essa descontinuidade do serviço causa prejuízos ao particular, na medida em que obstaculiza o exercício de seu objeto social”.

A inércia da autoridade aduaneira, independentemente dos motivos, configura ato abusivo e ilegal, hábil a legitimar a impetração de um mandado de segurança, na medida que nega ao particular a prestação de serviço essencial, causando prejuízo, sem o devido respaldo e observância da ordem jurídica vigente. Ainda mais quando se sabe que o fiscal tem o prazo de cinco a oito dias para concluir o desembraço aduaneiro ou solicitar alguma exigência após a recepção dos documentos. É que, historicamente, a autoridade aduaneira tinha o prazo máximo de cinco dias para concluir o desembaraço aduaneiro ou solicitar eventual exigência após a recepção dos documentos, nos termos do artigo 25 da IN 69/96 da Secretaria da Receita Federal.

A aludida IN 69/96, no entanto, foi convenientemente revogada por regramento superveniente sobre o tema, em que se suprimiu a existência de prazo para a conferência aduaneira. A solução, contudo, é trazida pelo artigo 24 da Lei 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da administração pública federal e prevê que, “inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior”. No mesmo sentido, tem aplicação o artigo 4º do Decreto 70.235/1972 (que dispõe sobre procedimento administrativo fiscal), o qual prevê que o servidor executará os atos processuais em oito dias, na ausência de regulamentação específica.

Em razão disso, pode e deve o administrado recorrer ao Judiciário para obter uma ordem autorizando a continuidade do despacho de importação das mercadorias, caso o referido prazo tenha sido extrapolado, ainda que a demora seja “justificada” por eventual greve do servidor, já que ela não pode ser utilizada como escusa para impedir a continuidade do serviço essencial, ainda mais quando traz prejuízos ao particular e já se extrapolou a duração razoável para todo o processo.

Letícia Martins de França é advogada com atuação na área de Contencioso e Arbitragem.

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