• Carregando...
 | Federico Parra/AFP
| Foto: Federico Parra/AFP

Falando com os repórteres na sede das Nações Unidas, no mês passado, Donald Trump se disse disposto a se encontrar com Nicolás Maduro, se esse estivesse ali. E apesar das constantes diatribes do venezuelano contra o Império Norte-Americano, ele não poderia recusar a oferta, ainda que hipotética, de uma reunião com o presidente dos EUA, amigo dos autocratas.

Porém, minutos antes de estender esse ramo de oliveira inesperado, Trump disse mais uma vez que estava pensando em uma “opção militar” contra a Venezuela. Declarar uma possível invasão a um país para depor seu líder e, na mesma frase dizer que ficaria feliz em conhecê-lo pode parecer ilógico, mas a impulsividade é a marca registrada do norte-americano; a falta de visão, sua guia mestra. É tão disfuncional quanto Maduro.

A Venezuela está passando pela pior crise política e econômica de sua história. O FMI prevê que sua inflação supere um milhão por cento até o fim deste ano – um conceito inimaginável para quem está de longe, mas muito real para a população. Imaginem vocês que o preço que eu paguei em 2006 por um apartamento de três quartos em um bairro de classe média de Caracas hoje equivaleria a menos de um dólar e não daria nem para comprar um mísero rolo de papel higiênico – isso se você conseguisse encontrar um.

Relatórios recentes da ONU mostram que os venezuelanos estão sofrendo, e até morrendo, por falta de acesso a remédios e suprimentos básicos. Mais de dois milhões fugiram do país em busca de comida, tratamento médico e oportunidades econômicas nos últimos três anos. O êxodo imenso sobrecarregou a região de tal maneira que as nações vizinhas, como Equador, Colômbia e Panamá, já passaram a exercer um controle mais rígido nas fronteiras.

A Venezuela está passando pela pior crise política e econômica de sua história

Embora Maduro tenha se dito hesitante em visitar as Nações Unidas por questões de segurança, entrou no avião presidencial assim que ouviu os comentários de Trump, aterrissando horas depois em Nova York. O problema é que, na pressa, ele se esqueceu de marcar alguma coisa com o norte-americano. É claro que Trump não ia se encontrar com o colega venezuelano; foi apenas um comentário inconsequente. Já para Maduro, seria uma grande oportunidade. Se Kim Jong-un se encontrara com ele, por que não poderia fazer o mesmo?

Como Kim, Maduro é um dos poucos chefes de Estado sob sanções do governo dos EUA. Pouco antes de sua chegada a Nova York, o Departamento do Tesouro impôs novas penalidades sobre a esposa de Maduro, Cilia Flores, o vice-presidente Delcy Rodríguez e outros membros de seu círculo mais íntimo. O cerco estava se fechando sobre o presidente venezuelano, e ele viu Trump como sua saída. “Se nos encontrássemos cara a cara, tenho certeza que os resultados seriam bons”, afirmou, durante sua aparição surpresa na ONU.

Embora muita gente acredite que Maduro tenha herdado um governo tirânico de seu antecessor, Hugo Chávez, não sou da mesma opinião – principalmente porque fui confidente do falecido e presenciei sua ascensão e queda.

O Hugo Chávez que eu conheci acreditava em justiça social, igualdade e liberdades fundamentais. Teve inúmeras vitórias eleitorais esmagadoras. Conseguiu ser reeleito mesmo quando já estava sendo consumido pelo câncer; esse era seu nível de popularidade. Perdoou diversos adversários, mesmo aqueles que tentaram depô-lo com um golpe violento.

Se ele tinha tendências autoritárias? Seus antecedentes militares fizeram-no crer firmemente na hierarquia. E quanto mais tempo permaneceu no poder, mais a ideia se consolidou, motivo por que os limites de mandato e o sistema de pesos e contrapesos são essenciais a uma democracia saudável.

Entretanto, Chávez tinha uma empatia enorme pelos pobres e marginalizados. Fez grandes progressos durante sua presidência, ajudando milhões de pessoas.

Leia também: O que podemos fazer com a Venezuela? (artigo de Luís Alexandre Carta Winter, publicado em 28 de fevereiro de 2018)

Leia também: A ditadura venezuelana e seus cúmplices brasileiros (editorial de 24 de setembro de 2018)

É verdade que cometeu muitos erros. Queria transformar seu modelo em algo sustentável, mas morreu sem alcançar seu objetivo. Seu hábito de dar preferência à lealdade sobre a competência foi um erro fatal, como também entregar diversas responsabilidades a um círculo pequeno de pessoas que não estavam preparadas nem dispostas a fazer escolhas difíceis. E gerou um clima de segredo e impunidade que pode ser perigoso para a democracia.

Vejo o mesmo tipo de comportamento em Trump, que se cercou de familiares, dando-lhes cargos para os quais não têm experiência nem conhecimento. É uma tática autocrata padrão para manter um controle rigoroso, derivada da paranoia que o vício pelo poder cria, e a crença narcisista de que não há ninguém que faça as coisas melhores que você.

Maduro não é Chávez. É um presidente impopular com uma legitimidade questionável, acusado de violação de direitos humanos, corrupção e fraude eleitoral – e embora tente copiar o estilo de Chávez, tem muito mais a ver com o colega do norte, Trump.

Como ele, Maduro sobrevive à base de trapaças, exageros e mentiras. Nega a crise humanitária que existe na Venezuela e culpa os EUA pela lambança que ele próprio criou. Deveria ser destituído através de golpe, engessado pelas sanções econômicas ou deposto por uma invasão estrangeira? Não. Os problemas da Venezuela devem ser solucionados por venezuelanos. Em vez de contemplar a possibilidade de uma intervenção militar para tirar Maduro do poder, Washington deveria se preocupar em driblar a própria cleptocracia incipiente, liderada por outro candidato a autocrata.

Leia também: Como o encontro de Trump e Kim nos afastou da iminência de uma guerra (artigo de Victor Cha, publicado em 13 de junho de 2018)

Leia também: A nova farsa na Venezuela (editorial de 22 de maio de 2018)

Nenhum presidente deveria governar sem limites. A ninguém deveria ser dado passe livre para ignorar os princípios básicos da sociedade, da obediência às leis, da liberdade e do respeito. É o povo que tem de exigir prestação de contas de seus líderes, através de uma participação ativa e conscienciosa e de fiscalização, cuidando para que os perigos e tentações da corrupção e o vício pelo poder não levem a melhor.

Maduro voltou à Venezuela de mãos vazias. Não se encontrou com Trump, não teve as sanções atenuadas, não diminuíram as tensões – mas, fiel à moda trumpiana, foi à TV estatal descrever sua viagem com detalhes extravagantes.

“Caminhando pelo centro de Nova York, poderia ter pagado o cachorro-quente da Quinta Avenida em petros”, disse, referindo-se à criptomoeda duvidosa que criou para diminuir a dependência do dólar norte-americano, mas que é considerada apenas uma vigarice pelos especialistas financeiros.

Exatamente como Trump, Maduro vive em um mundo paralelo de mentiras e tramas mirabolantes. Ao contrário da Venezuela, porém, os EUA ainda têm tempo de evitar entrar pelo caminho tortuoso do autoritarismo.

Eva Golinger é advogada e autora do livro de memórias “Confidante of ‘Tyrants’”. Foi também assessora do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]