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Lula em ato em 1° de maio de 2022
Lula em ato em 1° de maio de 2022| Foto: EFE/Sebastião Moreira

Em julho passado o economista Ricardo Amorim escreveu no Twitter que quem idolatra falsos ídolos colhe desgraças, e uma seguidora anotou que basta idolatrar, sejam eles falsos ou verdadeiros; não porque não possa haver políticos honestos e competentes, mas porque mesmo eles devem ser monitorados e cobrados, jamais idolatrados. Essa breve análise se torna cada vez mais pertinente, visto que desde então as coisas só se agravaram nesse quesito no nosso país.

Uma das características marcantes das seitas é a idolatria cega aos seus líderes, elevados a seres especiais com autoridade divina e liderança existencial. Quando o fanatismo invade o terreno político, os programas e as bandeiras partidárias se tornam descartáveis. Cedem lugar à adoração e à reverência, típicas de culto. Os militantes se transformam em indivíduos abnegados, desprovidos de espírito crítico e freios morais. Ao acreditarem na infalibilidade dos caciques por eles venerados, os “fiéis” exibem traços de fundamentalismo.

Os pouco mais de três anos de governo Bolsonaro apontam para a conversão de uma ideologia em seita, e as “motociatas” e cavalgadas são retratos desse fenômeno. Idolatramos o presidente porque “ele é gente como a gente!”, veste camisa de time de futebol, come pizza em pé na calçada ou tira foto usando chinelos, sentado em uma cadeira de plástico em um boteco nas férias de fim de ano, e ainda tem uma fala corajosa e desaforada a respeito de alguns caciques do estamento brasileiro.

Quando o fanatismo invade o terreno político, os programas e as bandeiras partidárias se tornam descartáveis. Cedem lugar à adoração e à reverência, típicas de culto. Os militantes se transformam em indivíduos abnegados, desprovidos de espírito crítico e freios morais.

Do outro lado, temos o “Lulinha paz e amor”, “Lula ladrão, roubou meu coração” e uma adoração messiânica ao ex-presidente Lula. Quando foi preso, em 2018, ele protagonizou um verdadeiro showmício, entoando o seu mantra preferido do nós contra eles. O líder já tinha dado o tom de como seria essa “não rendição” quando declarou para a imprensa que a polícia poderia prender o seu corpo, mas não a sua mente, como se ele fosse a reencarnação de um messias. “Não sou mais um ser humano, sou uma ideia”, pregou durante discurso feito horas antes de ser conduzido à cadeia. Ato contínuo, os militantes choravam, gritavam, se embriagavam, literalmente, e transformavam os momentos de tensão da prisão do presidente do PT num ato de autoimolação.

O que podemos esperar dessas eleições, já que estamos acossados por dois líderes tão envolvidos pelo discurso de salvadores de uma pátria que poderá arder em chamas? É possível perceber essa leitura idólatra da política nos posts políticos ganhando força, dado que estamos nos aproximando do período eleitoral. Temos nossos messias, nossas crenças, nossos elementos de salvação e nossas fontes do mal. No Facebook e no Instagram, não se discorda sobre ideias políticas: briga-se ferozmente pelo que está em jogo, que é o deus-ideia.

Vale lembrar que até outro dia, não fosse pelas suas trapalhadas na aventura política, tínhamos até mesmo um juiz pop star, de quem não se podia discordar uma vírgula sequer. Ele era famoso por ser caçador de petistas e seus companheiros. As pessoas só esqueciam de uma característica fundamental: quem caça bandidos é a polícia e não os juízes, a quem não compete mais que verificar os argumentos de acusação e defesa e determinar que se cumpra a lei. Mas isso não importava, já que ídolos tudo podem.

O que podemos esperar dessas eleições, já que estamos acossados por dois líderes tão envolvidos pelo discurso de salvadores de uma pátria que poderá arder em chamas?

Um bom juiz, se a acusação não apresenta prova concreta, ou seja, não cumpre a lei, por vezes tem de soltar até um bandido notório. E vejam a incoerência da idolatria: Sergio Moro se tornou ídolo da direita ao determinar a prisão do herói da esquerda, mas foi só se voltar contra o ídolo maior da direita que tudo que ele defendia ou praticava perdeu valor, levando-o ladeira abaixo na direção do ostracismo. A idolatria política sempre demanda um inimigo, alguém do mal, muitas vezes fictício, e leva a polarizações tão intensas quanto danosas. Seus fãs tentam destruir todos que não sigam seu astro-rei.

Já estamos ouvindo políticos bradando por aí que o único jeito de salvar o país é voltarmos a fazer política com emoção. Meus olhos até doem quando leio algo parecido. Foi por causa da emoção que atolamos nessa lama polarizada. Foi a política envolta pela emoção que gerou lideranças como Che Guevara, Juan Perón, Benito Mussolini, Hugo Chávez, Getúlio Vargas e tantos outros que deixaram não uma marca, mas uma mancha na história mundial, que jamais registrou a passagem do personalismo ufanista com final minimamente feliz – pelo contrário.

A transformação do patriotismo em nacionalismo está em seu auge quando o povo adere ao infantilismo e passa a encarar seu governante como uma figura paterna. Não se trata do respeito por um estadista, mas de uma forma de idolatria ao “pai do povo”, que não pretende governar, mas sim “cuidar” de sua prole ao lado da “mãe do povo”. É a demagogia levada ao máximo. Quando se chega a este estágio decadente, a pátria já não tem muito do que se orgulhar.

Foi a política envolta pela emoção que gerou lideranças como Che Guevara, Juan Perón, Benito Mussolini, Hugo Chávez, Getúlio Vargas e tantos outros que deixaram não uma marca, mas uma mancha na história mundial, que jamais registrou a passagem do personalismo ufanista com final minimamente feliz – pelo contrário.  

Devemos lembrar que os estadistas que de fato marcaram seu nome na história nunca se valeram da exacerbação do culto à personalidade para angariar seus eleitores. Alguns, inclusive, tomaram medidas extremamente duras e impopulares devido ao seu espírito republicano e real comprometimento com a sua nação. Só para ficarmos em dois grandes exemplos que dispensam apresentações, podemos citar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o também ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Thatcher foi responsável por implementar políticas como a privatização de estatais e a redução da influência dos até então poderosos sindicatos britânicos. E Churchill foi um dos grandes líderes na luta contra o fascismo e o nazismo no mundo.

Mas aqui, nas terras de Alentejo, é diferente. Os fatos podem estampar o crime, o abuso ou mesmo o aumento recorde da carga tributária, que atingiu 33,9% do PIB, que imediatamente aparecem os maníacos por governo, cheios de narrativas contrárias à singela realidade. Vale até dizer que alguém já fez pior, e então está tudo bem. Nessa lógica absurda, a maioria produtiva e silenciosa fica escanteada, aflita com a feira e o botijão de gás e ciente da realidade mundial: existem governos aceitáveis, ruins e péssimos, mas nenhum é realmente bom, pois mais nos tiram que devolvem.

Mas parece que os estridentes não querem se emendar. Uns bradam que está ótimo do jeito que está; outros garantem que nosso futuro está no passado. Os tropeços da história já deviam ter lhes ensinado que o caminho mais curto para estragar uma liderança é alçá-la ao pedestal. Triste o povo que precisa de mitos ou aceita ser liderado por caudilhos ou revolucionários megalomaníacos, infalíveis, inquestionáveis e insubstituíveis, que, propalando ascendência divina e missão histórica, fazem de tudo pelo poder, inclusive solapar o nosso chão.

Diogo da Luz é agroempreendedor e piloto de linha aérea.

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