| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

Nos dias 27 e 28 de fevereiro, o ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho foi julgado perante o Tribunal do Júri. Carli Filho era o motorista que, na madrugada de 7 de maio de 2009, dirigia o veículo Passat que colidiu com um automóvel Honda Fit, matando instantaneamente as vítimas Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo Almeida. A condenação por homicídio doloso, com pena de nove anos e quatro meses em regime fechado, está sendo considerada por parte da imprensa como um divisor de águas para os crimes de trânsito. No entanto, algumas reflexões são necessárias.

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Na esfera judicial, os efeitos dessa decisão serão limitados pelo próprio sistema jurídico brasileiro. Dizer que a partir de agora crimes de homicídio no trânsito em que o motorista esteja bêbado e em alta velocidade serão considerados como dolosos (isto é, com intenção de matar) não passa de um exercício de adivinhação, já que cada caso tem suas peculiaridades, não havendo circunstâncias e motivações idênticas. Um homicídio nunca é igual ao outro, premissa válida para os acidentes de trânsito e, claro, para os homicídios no trânsito. O caso concreto sempre estará sujeito às mais diversas interpretações, e o Direito não comporta fórmulas exatas.

Além do mais, sempre que casos de homicídio de trânsito forem submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, estarão sujeitos a uma decisão não fundamentada e secreta. Explico: como os jurados julgam por intermédio de votos, respondendo a questões elaboradas pelo juiz presidente fazendo uso de cédulas “sim” e “não”, podem optar livremente entre os argumentos e discursos sustentados em plenário pelas partes (acusação e defesa), não estando, em princípio, limitados às provas produzidas.

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Esta é uma oportunidade de pedagogia social a favor de um trânsito com mais segurança e respeito

Ademais, decisões de primeira instância, como essa do Tribunal do Júri de Curitiba, não se consubstanciam como “decisões reiteradas”. A sentença condenatória do ex-deputado, apesar de ser um precedente de destaque, não se configura como uma decisão a ser utilizada obrigatoriamente em casos análogos. Isso porque não é possível aferir se os jurados concluíram que as circunstâncias caracterizaram dolo eventual, ou se a conduta de Carli Filho, mesmo que por culpa consciente, mereceu uma maior reprovabilidade por conta da gravidade do delito, ou até mesmo pela pena baixa que sobreviria à condenação por culpa.

A defesa do ex-deputado adiantou que irá recorrer da sentença condenatória, o que fará com que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e, eventualmente, o Superior Tribunal de Justiça e até mesmo o Supremo Tribunal Federal se manifestem. Contudo, pelo princípio constitucional da soberania dos veredictos, em tese, não se adentrará no mérito da decisão dos jurados (na interpretação entre dolo eventual e culpa consciente).

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Todavia, é inegável reconhecer a relevância do caso, o que se deve também pelos aspectos extrajurídicos da decisão. A indignação que o crime causou na sociedade, por se tratar de um deputado que estava dirigindo em alta velocidade e embriagado, fez com que um problema gravíssimo entrasse em discussão. Pesquisas indicam que o alto número de vítimas em acidentes de trânsito derivados da imprudência de motoristas impacta diretamente em fatores como a expectativa de vida e o desenvolvimento econômico da nação. Isso sem contar, obviamente, com o sofrimento de familiares e dos próprios envolvidos.

Sendo assim, ao despertar um sentimento de identificação e de aflição em comum, a repercussão obriga a sociedade a refletir. É uma oportunidade de pedagogia social a favor de um trânsito com mais segurança e respeito. Como bem disse o juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar ao ler a sentença condenatória, o caso do ex-deputado é “insuficiente para solapar sozinho uma ampla cultura de violência no trânsito”, porém há a expectativa de que a comoção surgida auxilie “a mudar um hábito de violência no trânsito e a ser um instrumento de consenso para uma sociedade minimamente melhor”. Enfim, ainda é cedo para entender o legado deste julgamento, mas, sendo bastante otimista, ao menos se espera que sirva de exemplo para um maior respeito às regras de trânsito e às leis em geral.

Rodrigo Faucz Pereira e Silva é advogado criminal e professor de Processo Penal do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).