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A nova configuração no tabuleiro mundial de nações abre questionamentos sobre uma nova ordem mundial e um novo equilíbrio de poder entre os Estados

O Mercosul não surgiu do acaso da simples vontade política de dois chefes de Estado – José Sarney (Brasil, 1985 – 1990) e Raúl Alfonsín (Argentina,1983 – 1989) – mas de um movimento maior, uma tendência mundial. Essa tendência de integração por meio da formação de blocos regionais é um dos efeitos do fenômeno da globalização, incluso nesse fenômeno o liberalismo econômico.

Os países para se protegerem das forças, de certo modo, descontroladas dos fluxos de capital e para fazer frente à perda da centralidade do Estado-nação no cenário globalizante, se unem por meio da criação de blocos regionais.

O Mercosul não é um bloco homogêneo. Os diversos países que o compõem e seus associados possuem diferenças socioeconômicas e políticas, além de agendas internacionais diversas. Além disso, a grave desigualdade econômica e social da população do bloco traz ainda maior dificuldade ao projeto de integração.

Dentre os blocos de integração regional, o Mercosul é um dos que apresenta relativo avanço no processo integrativo. É aparente que o setor de maior desenvolvimento é o comercial, por meio da criação da área de livre comércio do bloco do Cone Sul. O aumento das trocas comerciais entre os quatro membros originais do grupo, na década de 1990, foi de 119%. Já, a partir de 2000, o incremento foi ainda maior: o comércio do Brasil com os outros países do bloco aumentou de US$ 15,5 bilhões em 2000 para US$ 36,7 em 2008.

Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o incremento das trocas entre Brasil e Argentina desde a criação do bloco foi de 354%, entre Brasil e Uruguai foi de 230% e entre Brasil e Paraguai foi de 220%. O fluxo de comércio exterior do Brasil com o bloco representa 10,8% do total das exportações brasileiras e 9,64% de suas importações. Perde apenas para os Estados Unidos, representando 15,6% e 15,52% respectivamente, além das importações da China que somam 10,4% do total das importações brasileiras.

Essa nova configuração no tabuleiro mundial de nações abre questionamentos sobre uma nova ordem mundial e um novo equilíbrio de poder entre as nações. O regionalismo econômico é hoje elemento central do sistema internacional. Tamanha é a sua expressão, que na OMC (Organização Mundial do Comércio) estão registrados mais de 200 acordos regionais, sub-regionais e bilaterais. Contudo, o regionalismo, apesar de comumente estar associado a acordos de livre comércio, não é apenas um fenômeno econômico. A integração cultural, devido a suas características intrínsecas e identitárias, é a mais complexa. A mais simples e a que existe em maior número é a integração econômica e, sobretudo, restringindo-se à comercial.

Contudo, é importante salientar que há necessidade de tempo para concretizar uma integração plena, com a formação de instituições representativas dos cidadãos da região (portanto legítimas) ou mesmo identidade coletiva com interesses comuns. Essa integração plena não se realiza apenas no âmbito comercial, mas sobretudo no político, social e cultural, incluindo o educacional. Como exemplo, podemos citar a União Europeia, o bloco de integração regional mais bem sucedido que conhecemos, que iniciou em 1957 com o Tratado de Roma e concretizou seu processo de integração em 1993 com o Tratado de Maastricht.

O Mercosul tem sua origem na cooperação que caminha para a integração, com interesses convergentes muito fortes entre Brasil e Argentina e de menor força com relação ao Uruguai e Paraguai. Esse nível diferenciado de convergência deve-se às fortes assimetrias presentes no bloco. O nível de amadurecimento democrático não é o mesmo, o PIB entre os países é muito díspar. Contudo, outros indicadores socioeconômicos são bastante semelhantes. Não se pode continuar com a ilusão de que o Brasil é melhor em todos indicadores.

O país se destaca dos outros países pela população e pelo volume do PIB muito superiores aos demais. Contudo, a população abaixo da linha de pobreza é uma das mais altas do bloco (26% no Brasil e apenas 13,9% na Argentina), seu índice de alfabetização é o mais baixo de todos: 88,6% contra 98% do Uruguai, que gasta apenas 2,9% de seu PIB em educação. Por sua vez, o Brasil despende 4% de seu PIB com educação, tendo o melhor índice juntamente com o Paraguai (também 4%), mas não produz os mesmos resultados que os outros parceiros do bloco.

Devido a suas dimensões demográfica, territorial e econômica, as quais são muito avantajadas e assimétricas com relação aos demais vizinhos, o Brasil possui uma vocação natural para ser líder do bloco, porém o país procura compartilhar esta liderança com a Argentina. Como postula o sociólogo Amitai Etzioni, para que uma integração tenha êxito, é necessário ter um centro de poder maior que exerce influência sobre os demais membros.

José Ricardo Martins, especialista em Geopolítica e Relações Internacionais, é pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da UFPR.

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