• Carregando...

Numa conversa com banqueiros de investimento, analistas internacionais ou diplomatas, percebe-se que o significado de “Brics” muda em função do interlocutor. Há ao menos duas formas de enxergar o grupo.

A primeira avalia o momento dos quatro gigantes (sem África do Sul) como “mercados em crescimento” e destino de investimentos de portfólio. É o que classificamos de “Brics 1.0”. A segunda concentra-se no impacto da construção institucional dos Brics (com África do Sul) nas relações internacionais. Tal enfoque mede sua articulação em organizações multilaterais, no surgimento de instrumentos plurilaterais e, portanto, em novas alianças de poder. É o “Brics 2.0”.

Há desapontamento com a primeira. Nenhum dos Brics, salvo a Índia, ostenta expansão do PIB como na década passada. Todos veem-se confrontados com urgente agenda reformadora. Nesse contexto, não estranha a recente manobra do banco Goldman Sachs de encerrar seu fundo específico sobre Brics, realocando ativos para outros veículos de investimento rotulados mais amplamente de “mercados emergentes” (de que os Brics também fazem parte). No entanto, o impacto dessa decisão financeira não deve ser superestimado.

Uma comparação com o antigo G7 mostra que os Brics irão mais longe

A ideia dos Brics como aliança de poder encontra-se em expansão. Estabeleceram um fundo de US$ 100 bilhões à disposição de qualquer membro do grupo no advento de crises de liquidez. E o novo Banco de Desenvolvimento criado pelos Brics é o mais importante instrumento para financiar o desenvolvimento desde as instituições de Bretton Woods. Se bem gerido, o banco se tornará importante fonte de recursos para projetos, ideias e melhores práticas nos Brics e em outros países nas áreas de infraestrutura e inovação. Também será catalisador de reformas da governança global.

Os Brics 2.0 não representam pouca coisa. Uma comparação com o antigo G7 mostra que os Brics irão mais longe. O G7 jamais foi além de encontros protocolares.

Fala-se das diferenças de cada um dos Brics. Entre eles há membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia e China); detentores de armas nucleares (Rússia, Índia e China); enormes democracias representativas (Índia e Brasil); potências na exportação de commodities (Rússia e Brasil) e uma economia (China) 26 vezes maior que a outra (África do Sul).

A história mostra, contudo, que plena harmonia de interesses não é indispensável a projetos cooperativos. É bem o caso da União Europeia. Apesar dos sólidos avanços desde o Tratado de Roma, seus membros divergem em inúmeros temas políticos e econômicos dentro e fora da dinâmica de Bruxelas.

Além disso, a ideia de Brics continua válida para comparar as estratégias (ou a falta delas) em projetos de poder, prosperidade e prestígio de quatro (China, Índia, Rússia e Brasil) das sete maiores economias do mundo medidas pelo poder de paridade de compra. Ademais de seu papel relativo na economia mundial, esses países são superlativos em território, população e influência regional, além de acomodar importante estoque do fluxo global de investimento estrangeiro direto (IED).

Para os Brics, além de colocar sua casa economicamente em ordem, o essencial é que pontos onde há coincidência, como o financiamento do desenvolvimento e novos instrumentos de governança, coexistam pragmaticamente com diferenças em peso econômico, agenda política e visão de mundo.

Marcos Troyjo é professor da Universidade Columbia, onde dirige o BRICLab (Centro de Estudos sobre os Brics), e especialista do Instituto Millenium.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]