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A necessária regulamentação da relação entre entregadores e aplicativos
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Um caso de repercussão na Justiça do Trabalho pode mudar os rumos da relação trabalhista entre entregadores e aplicativos. Trata-se da decisão proferida no último dia 6 de dezembro pela magistrada Lávia Lacerda Menendez, titular da 8.ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), que reconheceu vínculo trabalhista entre motoristas e a empresa de entregas Loggi.

A decisão é oriunda de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2018. A empresa deve contratar, em regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), todos os motoristas cadastrados no aplicativo que trabalharam por meio dele desde o dia 6 de outubro, bem como aqueles que se cadastrarem a partir da data da decisão. A regularização deve ser feita até maio de 2020, sob pena de a empresa sofrer multa no valor de R$ 10 mil por cada caso não regularizado.

Ainda que passível de recurso e de reforma, a decisão deve se estender a todo o país, visto que criou um precedente para que o vínculo trabalhista seja reconhecido em outros casos. Isso traz novos horizontes para trabalhadores, que não têm garantias e direitos reconhecidos por leis específicas, devendo provocar o Judiciário a regulamentar a sua relação de trabalho.

A “uberização” é um tipo de precarização que mascara o vínculo entre os aplicativos e os trabalhadores

A chamada “uberização” tem se apresentado como um tipo de precarização que mascara o vínculo entre os aplicativos e os trabalhadores. Podemos pensar no que ocorre em uma cidade como Curitiba, por exemplo, considerada hoje uma espécie de “oásis” para o surgimento e desenvolvimento de empresas de inovação tecnológica. Devemos ser passivos e permitir que o Poder Judiciário se omita frente a inovações?

Sobre o caso concreto, observa-se que tais trabalhadores tinham jornadas de trabalho excessivas, colocavam-se em situações de risco para entregar os produtos no devido prazo, precisavam de veículos próprios e encontravam dificuldades para realizar pausas para comer e descansar.

O MPT sustentou, na ação civil pública – e sustenta em outras denúncias envolvendo o tema –, que essas empresas ludibriam a relação de emprego e esforçam-se para seguir no limbo jurídico sem legislação e obrigações trabalhistas e previdenciárias. Atualmente, o Ministério Público do Trabalho do Paraná também tem buscado investigar tal relação de trabalho, assim como a respectiva carência de legislação.

Há casos em que a criação de legislações, projetos de lei, reformas e emendas acaba até por piorar a situação dos trabalhadores. Contudo, Norberto Bobbio, filósofo político do século 20, afirma em sua obra A era dos Direitos que os direitos do ser humano “são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização”.

É importante que o Legislativo e o Judiciário se adequem e criem leis e entendimentos para atender às demandas trabalhistas conforme o desenvolvimento da sociedade. Deve ser viabilizada a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos coletivos e individuais, sem omitir princípios fundamentais, como da proteção e da primazia da realidade, que visam equilibrar situações desiguais por meio da lei, sem deixar de lado o que verdadeiramente acontece na labuta dos trabalhadores. O avanço tecnológico não deve fazer com que o século 21 abandone tais valores.

Rafael Jacopi é advogado trabalhista.

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